Roteiro de fim de semana

Fim de semana trivial e excelente começa na noite de sexta-feira. Comprar mantimentos: duas ou três garrafas de vinho, refrigerantes, carvão e carne para churrasco, arroz, verduras, legumes, frutas, ingredientes para massas, chocolates e alguns alimentos de preparo no microondas.

Acordar por volta das seis e meia da manhã do sábado, caminhar pelo Parque Buracão, apreciar o orquidário comparando diletantemente as diversas espécies reunidas, parar por alguns instantes, cumprimentar os competidores e observar o jogo de bocha em que se presenciam exasperações e contrariedades decorrentes das regras ininteligíveis para mim.

Café da manhã ao som de Frank Sinatra. Na mesa, vitamina de abacate, pão, queijo manteiga, geléia, patê. Um café São Braz e bolachas Três de Maio assadinhas são imprescindíveis. Leitura de poesia: essencialmente Manuel Bandeira e Fernando Pessoa. Uma leitura instigante do Jornal de Assis, detendo-se com vagar na coluna de cinema, nas notícias de entretenimento e de política. Folhear jornais e revistas literárias, escolhendo matérias que serão lidas durante a semana. Separar livros para leitura noturna, intercalando os mais longos e os mais curtos, os mais engraçados e os mais sérios, os mais cansativos e os mais prazerosos.

Antes do meio-dia, passar na livraria, vasculhar as estantes em busca de novidades literárias, historiográficas, sociológicas e filosóficas. Vez por outra passar os olhos nas prateleiras de economia e educação. Com muito esforço, garimpar livros interessantes de filosofia jurídica e ciências políticas.

Rumar para casa, preparar os alimentos congelados, tomar uma taça de vinho do Rio Grande do Sul, desfrutar um pouco mais de Fernando Pessoa e tirar uma madorna numa rede improvisada embaixo de uma árvore ao topo da qual uma caixa de marimbondos ou abelhas – nunca distingo corretamente – trabalham naturalmente.

Locar dois filmes interessantes, sentar numa cadeira de lanchonete que possibilite a visão plena das belas assisenses em caminhadas, corridas e outros exercícios físicos. Uma, olhos enigmáticos e corpo nem tão esteticamente atraente, prende-me a atenção.

Antes de anoitecer, disco das óperas de Ravel. Banho demorado, alguma fruta, uma coca-cola, filme no Cine FAC, carreada pela Avenida Rui Barbosa, demorando-se quase o quíntuplo de tempo de um trajeto normal em momentos de pico, parada num restaurante para beber mais coca-cola e jantar. Um passeio nas ruas da cidade, finalizando a noite na busca insistente e aleatória de um objetivo imaginário e onírico.

Dormir de janelas abertas. Os precedentes do Sol iniciam-se com o alvoroço dos pássaros. Uma nova caminhada. Passar pela Concha Acústica. Sentir bem-estar ao visualizar algumas crianças brincando no parque enferrujado e discutivelmente abandonado. Um homem, provavelmente o pai, esbanja seu mau humor. Contentar-se de estar longe da condição dele.

Encontrar algumas senhoras de vestidos asseados voltando da igreja, comentando algum assunto que, em outras situações, seria tomado por impróprio. Uma delas esbravejando irritantemente sobre os trajes de uma garota. Ombros aparecendo, costas nuas e deslizantes, cabelos amarrados em rabo de cavalo. Distraiu os homens. Os que se sentavam à frente e os que se acomodaram atrás. Por que nunca vou à igreja nessas ocasiões?

Ler o jornal, as revistas, Manuel Bandeira. Escrever duas ou três páginas de um novo conto, retomar algum texto interrompido ou jogar na lixeira mais de duas dezenas deles. Ler algumas anotações da dissertação. Separar novos livros, pesquisar obras fora de catálogo, descartar diagramas de suposições que poderiam, porém não serão aproveitadas. Revisar cinco ou seis páginas da tradução da semana. Anotar estruturas interessantes que podem mudar a sintaxe sem afetar a semântica do texto.

Ir para a casa da família, acender a churrasqueira e, bebendo coca-cola e comendo uma carne tipicamente temperada, fazer a primeira e única refeição de domingo, que se estenderá até os inícios da noite quando, fulminado, lembrar que na segunda-feira a rotina nem sempre desenhada se apresentará, assim como o Sol, como a marcha das crianças indo à escola ou os gritos de clemência dos torturados.

*Publicado originalmente no Jornal de Assis (Assis – SP) de 31 de julho de 2008.