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Eu te desejo o desapego. A desvinculação, o individualismo, a instrospecção. Te desejo a auto-suficiência, a auto-afirmação, a análise solitária, a opinião, a auto-estima. Eu te desejo, intrinsecamente, o silêncio. O corte do cordão umbilical. A luz fora do útero, o tapa na cara, a desfalescência, o tombo. Veja bem: o tombo. Não a queda. Desejo a indiferença, a discordância, a grosseria, a falta de interesse. E espero que você perceba o quanto isso é bom. Desejando tudo isso, eu te desejo o degrau. Te desejo a raiz, mas não para a construção da torre nem do pódio, pois em ambos chega-se ao topo sem ter mais caminhos e desejos para seguir. Desejo sim a raiz para a construção da realidade. Eu não te desejo a puxada de tapete, o pessimismo, nem a ironia, nem a soberba. Te desejo a verdade. A verdade que vem na forma de firmeza, de sinceridade, de descaso, de mágoa, de trauma. E, portanto, te desejo a liberdade. Pois a verdade é a única que liberta. A proteção deforma, corrói, ata, cerca. Define tudo ao redor de acordo com os parâmetros da condescendência, essa personagem ironicamente tão bem interpretada pela covardia. Não estou te aconselhando, não. Pois conselho é descartável, vazio e, por que não dizer, intrometido. É o que te desejo, pois o que desejamos continua guardado tão profunda e sinceramente em nós que se alimenta e se fortalece sem precisar ser exposto, refletindo em nossas atitudes mesmo que implicitamente. Não te desejo o trampolim, pois nele quanto mais alto se pula, tanto maior é a força do impacto e da queda. Desejo aquilo que te faça enxergar. Desejo o óculos limpo e adequado, para que consiga observar claramente o mundo sem prejudicar a visão, funcional ou da alma. Desejo a imposição, não a impunidade. E não espero que você me deseje o mesmo. Porque assim meu desejo não valeria coisa alguma. Te desejo, portanto, o vínculo criado invisivelmente pelos livres, que pode ser irônico, defensivo ou distante, mas exatamente por isso mostra-se verdadeiro (o que o transforma na única fortaleza constante e real entre as incertezas do mundo). E por isso é mais forte e indestrutível que qualquer palavra doce momentaneamente interminável.

Beatriz Moraes
Enviado por Beatriz Moraes em 03/08/2008
Reeditado em 19/05/2014
Código do texto: T1111056
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