BASEADO EM FATOS QUASE REAIS

Minha querida mamãe, escrevo-lhe essas poucas linhas para lhe contar um caso que me deixou por demais satisfeito, como poucas vezes tem acontecido depois que vim morar na Capital. Foi o seguinte: tudo aconteceu quando um funcionário muito atencioso da companhia telefônica estava podando uma árvore na calçada da minha casa. E olha que eu nem pedi! Como essa empresa é atenciosa, né verdade mãezinha? Eles cuidam da gente com tanto carinho! Cortaram aquela minha linda árvore dando uma forma assim...surrealista. Como ficou bonita! Aqueles galhos magros, secos, despenteados, formavam uma figura tão diferente do convencional, parecia um... não sei o quê. E pensar que eu tinha pago uma fortuna para alguém deixá-la bem redondinha, que ridículo! Realmente eu não entendi a lógica daquele profissional da companhia telefônica, mas quem sou eu para questionar um artista? Arte é arte e eu não ia pagar o mico de perguntar para o eficiente podador o que era “aquilo”. Imagina.

Porém num lance meramente casual ele cortou o cabo do telefone. Notei que ele ficou vermelho que nem tomate. Parecia meio nervoso. Procurei tranqüilizá-lo e pedi que simplesmente emendasse os fios, mas respondeu-me que, embora soubesse fazer o serviço, não podia, pois se tratava de uma questão de PRO-CE-DI-MEN-TO. Assim mesmo, bem explicadinho. Eu achei aquilo muito lindo, mamãe. O cara era tão profissional, mas tão profissional, que sabia separar as funções de podador de árvore das de eletricista, técnico em telecomunicações, sei lá mais o quê. O certo é que não ia burlar as normas da empresa.

Pedi-lhe que ligasse, do aparelhinho que trazia no bolso, para sua empresa solicitando que mandasse alguém vir fazer o serviço. Mais uma vez ele me surpreendeu com seu profissionalismo e disse que os clientes é que tinham a obrigação de comunicar quaisquer defeitos. Achei muito procedente sua afirmação e pedi-lhe que me emprestasse aquele aparelho, pois o da minha casa agora estava mudo. Mas o podador era profissional demais e negou tão efusivamente que eu cheguei a confundir com um ato grosseiro, mas logo vi que era um mal entendido de minha parte. Fiquei até envergonhado de ter feito esse juízo daquele bom homem. Daí ele subiu na moto e foi-se embora.

Descobri que o telefone do meu vizinho também tinha sido atingido. Ele, não sei por quê, ficou uma fera. Ainda bem que ele não estava no momento do corte. Se ele tivesse falado aquelas coisas na presença do digno profissional podador eu teria ficado muito envergonhado. O vizinho ficou de ligar para a empresa.

Passados três dias, vi quando chegou um pick-up da mesma empresa. Eles puseram uma escada e consertaram o telefone – do vizinho. Pedi ao moço que consertasse também o meu, mas ele não pode. Ora, eu não tinha feito a reclamação na empresa, portanto, muito obvia a resposta dele, informando que só tinha autorização para a casa do vizinho. Eu fiquei muito admirado com o nível de profissionalismo dessas pessoas. É claro que eu tinha que cumprir o protocolo. Não era simplesmente, pelo fato de um colega deles ter cortado o cabo do meu telefone, que eu seria desobrigado de cumprir o ritual de atendimento da empresa. Onde já sei viu? Além do mais ele ia se ocupar e perder talvez uns... dez segundos e fazer a minha ligação. Isso certamente ia prejudicar toda rota que teria de cumprir naquele dia. O problema era meu – como ele me falou – e não podia ficar fazendo favores indiscriminadamente.

Deixa-me confessar mais um erro meu. Acredita que ainda cai na besteira de pedir ao distinto profissional que ligasse do aparelhinho que trazia no bolso para pedir autorização e fazer minha ligação? Que mico! Levei uma bronca. Merecida.

Pedi ao vizinho, de telefone consertado, para agora eu fazer o meu pedido formal de re-ligação. Senti-me muito lisonjeado ao ouvir aquela voz linda da URA dizendo que a minha ligação era muito importante para eles. Acredita que eles falaram isso umas trezentas vezes? De vez em quando uma atendente, muitíssimo educada, falava comigo, pedia uma série de informações e transferia para o setor responsável. Olha, esse povo da telefônica é muito responsável, eu falei com pelo menos uns oito responsáveis e a todos eles eu informei as mesmas coisas. Como são criteriosos, não? Rapidamente, em apenas duas horas consegui registrar o pedido.

Mãezinha, eu estou lhe escrevendo só para lhe dar notícias, já que faz um mês que não lhe telefono, mas logo que consertarem eu prometo que ligo para a senhora.

Agradeça ao papai por pagar sempre em dia a minha conta de telefone.

Amo você. Um beijo do seu filho Otário da Silva Júnior.