As fadas, as estrelas

- Se você fosse uma estrela, qual seria? – diz Anne, ela esta deitada completamente despida ao meu lado, ela observa as estrelas, o céu é negro e brilhoso.

- O sol – digo pensativo, por que o sol? Seria por que ele é grande? Não sei a explicação, falei sem pensar, talvez eu já venha pensando nisto há muito tempo, talvez não, minhas duvidas não se resumem na estrela que eu devo ser e sim no meu Ego... Será que ele é realmente grande como o sol?

- Sabia que iria falar isto! – ela sorri, também estou despido, está quente, a fogueira ilumina nossos corpos – todos nós queremos ser sois, mas lembrem-se os sois são eternamente solitários, pois ninguém consegue se aproximar o bastante dele.

Na terça feira chegou à mudança, sai do centro e fui morar um pouco mais próximo do subúrbio, a morte de Lucia me fez mudar de vida. Anne deixou água e alguns pães sob a mesa, é o caminho do trabalho dela. Anne trabalha em confeitaria, não é confeiteira e sim caixa da confeitaria, ela não sabe a arte de enfeitar o que será destruído, ela é apenas a parte capital da coisa.

- A lua anda bonita estes dias não é?

- É...

Se Anne parasse dez segundos para pensar ela passaria o dia todo pensando, ela adora pensar, eu que sou preguiçoso nesta questão vestibuliva do pensamento... As tardes deste verão andaram quentes demais, provavelmente haverá chuvas...

Trabalho como vendedor numa brexó... Onde vende-se roupas usadas, a loja é grande e eles pagam bem, antes de Lucia morrer nos tomávamos conta de um restaurante mas hoje não faz mais sentido aquele lugar. Aqui vejo as figuras mais estranhas, tanto em busca de fantasias para filhos e filhas como em busca de fantasias para usar com os maridos e esposas.

- Tem fantasia de fada por ai? – diz Anne quando nos vimos à primeira vez.

- Fada? Para sua filha?

- Não, para mim, queria saber como é ser uma fada ou no mínimo me vestir como uma – ri ela fitou sério para mim – não deveria rir das fantasias alheias.

Todos os dias ela passava na loja e perguntava sobre a tal fantasia, nunca tinha tal fantasia de fada...

- Acabou de chegar!

- Ótimo, sempre tenho sorte no meu aniversário!

- É seu aniversário!?

- Não mas gosto de fazer as pessoas pensarem que é – ri mas com o espírito e não com o corpo – certo, como esta roupa não foi dado baixa aqui será seu presente certo? Do seu falso aniversário.

- Obrigada – ela pegou a roupa e saiu.

As chuvas que eu prometi de fato aconteceram, olhei pela minha janela, vi a água e sentia o calor se dissipando. Ouvia as lamentações em forma de musica, o som ecoava bem na minha sala de estar, talvez eu que não esteja na minha sala de estar.

- E se as estrelas começassem a cair? – diz Anne olhando para elas, seus olhos brilhavam como as estrelas em pauta.

- Talvez fosse divertido ver todos correndo das coisas que tanto observaram.

- É talvez parassem de tentar contar-las – todos nós rimos e o fogo ilumina nossas imaginações e nossos corpos.

Os carros passavam ao meu lado, todos com uma velocidade exagerada, todos querendo um pedaço meu. Todos que habitavam seus pequenos planetas mantinham-se sérios, mantinham-se longe das suas infâncias, mantinham-se inocentes a sua própria inocência e o único sentimento que esboçavam era a raiva e a angustia de um sinal de trânsito.

- Oi – digo com o saco de pão envolto nos braços, Anne olha-me com a ponta superior dos olhos.

- Olá! Pães? – sorri.

- Sim, pães! Servida? – começamos a comer ali mesmo.

- Será que existe vida em Marte? – ela estava abraçada a mim, a fogueira esquentava nossos pés até mais ou menos nossos joelhos.

- Não sei, mas os alienígenas devem estar enjoados da cor vermelha – rimos novamente enquanto o silencio nos envolvia.

Seu passo era quase bailarinico, ela tinha uma varinha do condão, ela ria debochadamente, ela vinha vestida de fada.

- Ficou bem em você, vai trabalhar amanha assim?

- Uma fada deve se sentir tão bem, devem também sofrer de depressões!

- Conseguir tudo que quer um dia enjoa não é?

- Sim, sim, sim. Seres tristes são as fadas então?

Fomos um só durante uma hora e meia.

- Será que as estrelas olham também para a gente? – ela ofegava ainda um pouco, a fogueira ardia bem (quase como nossos corpos) e o calor era envolvente, tudo estava envolto em sombras e nossos corpos eram as luzes que mantinham o local vivo, sua roupa de fada estava abarrotada na grama ali ao lado e minha roupa urbana estava amarrotada do outro lado. Anne observava todas as estrelas como se cada uma fosse um membro importante da sua família inexistente, eu observava as estrelas e sentia que milhões de olhos olhavam para nós (e a fogueira).

- Talvez, talvez elas estejam preocupadas com outras coisas, talvez se olhando os crimes atrozes, por isso que daqui elas parecem tristes.

- Ao ver toda a Terra elas vem todos – fechamos os olhos.