Minha primeira maratona

Maratona de Porto Alegre - Maio de 2008

Há sonhos que nascem na simplicidade da vida, no meio da rua. Surgem rápido, correndo. São frutos de devaneios. Aqueles sonhos acordados que sorrateiramente passam a visitar a intimidade da alma na profundeza do sono. Assim nasceu meu sonho de correr uma maratona. Não um sonho antigo, mas um sonho novo, desses mesmos que nascem “correndo”. Desculpem a redundância, mas foi isso mesmo, um sonho que surgiu rápido em minha vida, gerado nas ruas, correndo minha dura corrida contra a obesidade. Mas, por favor, não confundam; um sonho rápido e rueiro não quer dizer que seja leviano ou fugaz, pelo contrário, alimentado diariamente, passo a passo, adquiriu a robustez suficiente para se tornar uma obsessiva decisão.

Tudo começou mesmo quando minha cardiologista me obrigou a fazer uma atividade física regular. A única viável que encontrei foi correr nas ruas. De repente eu estava participando de corridas de 10 km.

Dois anos depois eu já tinha corrido uma meia-maratona. Corri duas, três. Aí minhas pernas insanas disseram para minha cabeça louca: “corra uma maratona”. Meus desmiolados amigos corredores fizeram coro e eu, igual a cacimba do Piauí, peguei corda.

Decidir correr uma maratona implica antes em decidir enfrentar uma maratona de treinamentos, cumprir uma planilha rigorosa e submeter sua rotina, sua alimentação, sua agenda, sua família a esse novo “estilo de vida”. Como disse meu médico “Uma maratona não é brincadeira, ou você se prepara ou você desiste”. Eu não sou de desistir fácil.

Foram cinco meses de preparação. Confesso que não fui disciplinado o suficiente, confesso que pensei em desistir muitas vezes. Confesso que a preguiça, em manhãs chuvosas, deixou-me na cama cheio de mandriice e culpa. Mas com a mesma honestidade confesso também que senti muita alegria e orgulho a cada comprido longão cumprido (se é longão então já é comprido, desculpem o pleonasmo).

A prova escolhida foi a 25ª. Maratona de Porto Alegre, por ter um percurso plano e um clima frio, itens importantíssimos na economia de energia para um atleta “meia-boca” como eu. Juntei-me com os amigos, compramos as passagens, fizemos reservas no hotel e “fumosimbora”. Fazia cerca de 10 graus Celsius quando a corrida começou. Eu ali, todo paramentado, camisa manga longa por baixo da camisa do evento, bermuda térmica por baixo do calção, cara de medroso por baixo da cara de valente. O apito soou e ouvi alguém gritar “Vamos brincar”. Acho que foi um anjo do céu, pois a palavra exorcizou o demônio da tensão que me possuía por completo naquele instante. Com o coração aliviado, repetia para mim mesmo a palavra mágica “diversão” à medida que ensaiava os primeiros passos de dezenas de milhares que se seguiriam nas próximas cinco horas.

No terceiro quilometro um baiano chamado Cláudio se aproximou de mim e fomos conversando por quase todo o percurso. Cruzamos as marcas de 10, 15 e 20 km. Até ai estava tudo bem, tudo dentro do previsto. Passamos na marca de 21 Km com duas horas e vinte e quatro minutos, como eu previa concluir em cinco horas, estava todo animado.

Entretanto...Eu já tinha ouvido falar que a marca de 35 Km era onde se dividiam os homens dos meninos, mas foi no quilometro 36 que eu perdi a identidade, não sabia mais quem eu era, se era homem, se era menino, só sabia que não era gaúcho, com certeza isso não. Sabia também que não podia parar de correr. Exausto, abatido, esfolado, arrebentado, extenuado, fatigado, quase morto. Tento encontrar uma palavra só e não me satisfaço para tentar descrever meu estado. Passos trôpegos, a cada placa que tinha um numerozinho seguindo de KM eu comemorava, até que eu vi a mais linda placa com uma das mais lindas palavras que já li em toda a minha vida: “CHEGADA”. Passei por baixo dela fazendo aviãozinho, com cinco horas, dezesseis minutos, cinqüenta anos, oitenta e quatro quilos e uma tonelada de felicidade.