Um matuto em Porto Alegre

Em julho do ano passado hospedei-me em Porto Alegre para participar de um congresso nacional de História que acontecia numa universidade em São Leopoldo, cidade da região metropolitana da capital gaúcha.

Confidenciei ao colega que minha viagem primava pela visita à Casa de Cultura Mario Quintana, ao Centro Érico Veríssimo e ao romancista Luiz Antônio de Assis Brasil. O encontro de História não era mais importante? Claro que não, respondi francamente.

Por mais de quarenta minutos, quase que inutilmente, expliquei-lhe que o Rio Grande do Sul era o único estado brasileiro que possuía uma tradição literária. No Rio Grande, disse-lhe professoralmente, há escritores gaúchos, publicados por editoras gaúchas, lidos por leitores gaúchos. Falei ainda das feiras do livro existentes praticamente em todas as cidades do estado, dos concursos literários, da Associação Gaúcha de Escritores, dos livros de gaúchos contemporâneos – e vivos! – recomendados nas escolas onde eventualmente alguns escritores proferiam palestras, conferências ou simplesmente trocavam idéias ou batiam papo com estudantes.

Falei de Érico Veríssimo – de quem ele ouvira falar quando no colegial –, Josué Guimarães, Luis Fernando Veríssimo, Moacyr Scliar, Sergio Faraco, Dyonélio Machado, Carlos Reverbel, Caio Fernando Abreu, Cyro Martins e, sem esquecer obviamente, Luiz Antônio de Assis Brasil. Nem de Mario Quintana ele ouvira falar.

Convidei-o a participar do encontro que marcara com Assis Brasil, ao qual chegamos cinqüenta e cinco minutos antes do horário marcado. Descemos na PUC, identificamos prédio e secretaria do departamento de Letras. Conhecemos o campus, a capela, uma espécie de planetário. Tomamos um café enquanto eu o escutava. Acompanhava-me por cortesia, disse-me. Literatura não tinha importância. Era coisa de imaginação. E imaginação ele poderia ter a qualquer hora, finalizou.

Pontualmente às 14 h, esperando na sala da recepção, Assis Brasil abriu a porta de um corredor, nos conduziu à sua sala. Seguindo uma cronologia de questões que planejara meses antes, o escritor gaúcho respondeu-me pacientemente mais de trinta perguntas.

Ao fim da entrevista, pedi para autografar dois livros para mim (considero-os excepcionais: “Concerto Campestre”, pela densidade psicológica, e “O pintor de retratos”, pela magnitude e magnificência no tratamento da linguagem), um para minha namorada e o quarto, que seria para uma amiga, solicitei-o ao meu colega. Como grande espírito, Assis Brasil não se recusou a tirar fotos e nos conduziu até o elevador, abrindo-nos a porta, desejando uma boa permanência no Rio Grande e incitando-nos a voltar sempre que possível.

Meses depois o colega me procurou. Lera o livro do Assis Brasil. Ainda não reconhecia a grandiosidade da Literatura. No entanto, uma coisa é mais do que certa: a elegância, a paciência, a solicitude e a serenidade com que nos tratou Assis Brasil foram decisivas para que, depois de anos de estudos historiográficos, meu colega abrisse uma prateleira de suas estantes exclusivamente para Literatura, predominantemente do Rio Grande do Sul e de Luiz Antônio de Assis Brasil.