APÓLICE DE SEGURO: TEM PARA TODOS OS GOSTOS!

Essa semana, na Universidade, conversando com Mário Gérson e Fernando Leite – no tradicional intervalo do cafezinho –, o assunto girou em torno de comer, alimentar-se e sentir-se mal. Conversas variadas, opiniões distintas, ironias de todos os lados, eis que o Fernando diz:

“- Hoje em dia se faz necessário um seguro de vida até para morrer!”

Foi logo interpelado pelo Mário, dizendo que a frase não estava correta (como sempre o Mário vem com sua prolixidade interpretativa) e que o certo seria:

“- Hoje em dia se faz necessário um seguro de morte até para morrer!”

E para abrilhantar sua teoria, disse:

“- Eu já fiz o meu!”

Confesso que fiquei curioso. Um seguro de morte!? Comecei a pensar nas possíveis possibilidades que um seguro desses pode ter como atrativo para que uma pessoa – assim tipo o Mário que é intelectual – tenha o desejo de tê-lo e, ainda por cima, divulgá-lo tão abertamente, sem medo das gozações. Não me contive e perguntei:

“- Mário, me fale sobre as vantagens de se pagar um seguro desses, em vida, para usufruí-lo depois da morte?”

É claro que a pergunta foi capciosa, acompanhada de uma larga gargalhada (quem me conhece sabe o tamanho), tendo sido respaldada pela expressão irônica do Fernando (por sinal, um gozador de primeira!).

Mário, como sempre faz, passou a mão pelos cabelos já ralos – apesar da pouca idade –, cruzou as pernas, apontou aquele dedo meio torto (de onde foi que ele arrumou essa mania!? Em quem ele se espelhou para criar esse gesto!?), olhou para mim, depois para o Fernando, e disse, filosofando:

“- Devemos pensar que um dia iremos precisar de uma morada eterna, já que a nossa matéria é perecível e prosaica. Como sou prevenido, pago uma apólice que me dá o direito de, em caso de infortúnio da vida material (essa foi boa, como se a morte, por mais que se queira dizer que é inevitável, já não é uma desventura!), ter direito a serviços de caixão, túmulo, e uma boa localização no campo santo. Quero dar o melhor dos descansos para o meu intelecto, para a minha alma, e ter o sossego da eternidade para refletir (acredito que o ‘refletir’ dito por Mário significa ‘parar de pensar no óbvio por motivos perfeitamente plausíveis’)”.

Não tive palavras. Mário falou de uma forma tão solene que, por um instante eu me vi tentado a começar a pensar nessa possibilidade de, também adquirir um investimento desses. A sorte (graças à vida!) foi o Fernando. Como sempre, levando para o lado cômico, fazendo das palavras, a gozação de mais uma brincadeira, explanou:

“- Pois vou dizer uma coisa: se por acaso eu me sentir mal, me levarem para o hospital, lá eu não resistir, e essa carcaça velha bater as botas, minha mulher já está avisada para não pagar de jeito nenhum para me ter de volta! Deixe o corpo lá. Ora, se eu entrei lá foi para sair com vida (pra isso eu pago um plano de saúde bem caro!), não foi para ela me ter de volta, sem vida. Deixa lá. Depois que passar dois dias eles farão questão de devolver e, quem sabe, com um pouco de sorte, ainda contribuir para o encaminhamento eterno”.

Nesse momento, ele – o Fernando – que é um excelente comunicador e tem um perspicaz domínio do ambiente onde faz suas gozações, aproveitou o ensejo, se levantou e começou a falar – quase sem parar – atraindo a atenção de quem estava no local, gerando uma discussão, novos depoimentos, apoios a sua fala, enfim, se fosse um candidato, estava com a eleição assegurada.

“- Outro dia eu estava saindo do local de trabalho quando fui parado, gentilmente, por uma moça muito bem vestida – dessas com voz suave e deliciosamente agradável de ouvir – querendo me convencer que eu deveria adquirir uma apólice pós-morte”.

E continuou:

“- A moça falava tão bem, não me dando chance para pensar muito na sensaboria da oferta, enaltecendo sempre as qualidades de um seguro preventivo, que eu esqueci que estava com pressa”.

Por curiosidade, eu perguntei ao Fernando o que tanto ela falava que o fez ficar em pé, no meio da praça, ouvindo as benesses de algo que, pelo que me consta – em nenhuma literatura ouvi dizer, enumerar, citar, catalogar –, ele ou eu, e nem ninguém irá desfrutar de algo que se adquiriu aqui na terra, depois que vai para o andar de cima.

“- Veja bem: ela me disse que, se eu adquirisse uma apólice eu teria direito a uma vizinhança sem barulho, portanto, ótimos vizinhos (o sonho de qualquer inquilino!), uma localização excelente, de frente para o nascente (acredito que é uma tática para que o futuro finado se anime com a palavra ‘nascente’ e já vá pensando na reencarnação ou ressurreição), um cortejo de primeira com direito a serviço do carro funerário grátis, duas coroas de flores e um cerimonial que inclui uma autoridade que encomenda o corpo (acredito que não seja aquela autoridade que carimba o passaporte dos que vão viajar de avião), assistentes que se encarregam dos lencinhos perfumados, da bandeira do clube de coração daquele que vai fazer a passagem, um especialista em atendimento médico (para em caso de chiliques ou aumento da pressão arterial), e para finalizar, ela me deu um folder onde mostrava um campo de relva verde, uma família feliz fazendo um piquenique e uma frase, em destaque: aqui seus problemas acabam... eternamente”.

Não sei por que eu me lembrei de certa moça que me fez uma visita para me oferecer esse mesmo tipo de serviço. Balancei a cabeça (como fazem os nadadores quando saem da piscina ou do mar), desanuviei os pensamentos e completei:

“- Ainda bem que os serviços ainda estão no campo material. Já imaginou quando começarem a vender apólices espirituais, com direito a terrenos no paraíso, tendo como vizinhos: na sua esquerda, Pedro; e na sua direita, Paulo?”

Ops! Deixa eu ficar calado. Vai que alguém lê essa crônica!

Por fim, desfizemos a mesa de reuniões, pomos para circular os curiosos no discurso de Fernando e fomos ao que interessava: ouvir os ensinamentos teóricos dos Mestres e Doutores de Comunicação Social.



 

Obs. Imagem da internet

 
Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 24/08/2008
Reeditado em 17/03/2015
Código do texto: T1143497
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