Marimbondos-tatu

                 Eu não tinha nada que esticar as orelhas prá ouvir a conversa da mesa ao lado,  mas sabe como é, conversa boa é como cheiro de comida gostosa quando a gente está com fome. 
                 É impossível deixar de ouvir, de sentir. Parece aquelas fumacinhas dos desenhos animados da infância que procuram o nariz da gente.
                 Ela deveria ter uns 50 anos, talvez uns dois a mais ou a menos. Morena, bonita, cabelos longos, corpinho bem conservado... Uma mulher mais que bonita pra quem tinha vivido um casamento infeliz, que tinha tido filhos e netos para enfeitar sua vida.
                  A conversa rolava entre dias atuais, de como ela se sentia nos relacionamentos nos dias de hoje. Uma mulher jovem, bonita, trancada em si.
                   “Eu me casei muito jovem, contrariando os meus pais, com um bom papo que me enchera a vida de luzes e fantasias e que se mostrou outra pessoa, logo depois de casados, desleixado e agressivo, com o vício do alcoolismo.
                    Devolver o marido eu não podia mais. Voltar o tempo e mudar o rumo das coisas era impossível. Tive que submeter-me às pressões da família, à vergonha do erro de amor e tocar a vida. O perdão dos pais da mesma forma que me aliviava do trauma, também me criou o hábito de varrer pra debaixo do tapete as mazelas do dia a dia. E a vida se seguiu...”
                  Essa conversa me transportou pra os trilhos que andava por entre as moitas de espinhos, tropeçando nas pedras e tocos incrustados no chão dos meus caminhos de menino indo para a escola rural. 
                  Vez ou outra, a gente indagava a professora os por quês de tantas coisas que a vida nos mostrava. Ela, coitada, tinha sempre uma historia pra aliviar nossas ansiedades.
                   Dizia ela, e apontava para uma moita grande, de capins tenros e verdinhos logo ali perto da escola, que era objeto de sonhos e desejos dos bois que se alimentavam por perto, rodeavam e comiam capins secos e pastos raspados, porque não tinham coragem de invadir a tal moita. Concluía ela que lá, dentro, havia um enxame de marimbondos-tatu dos mais bravos e perigosos que alguém pode suportar. Todos unidos então, seriam um monstro mortal, capaz de matar um boi adulto ou um amor bebê.
                   Eu, talvez mais curioso que os outros, quis saber mais, no que ela desabafou.
                   - “A gente vai somando na vida as alegrias e tristezas que conseguimos dia após dia e delas fazemos armas pra vencer os inimigos que nos incomodam, sobrepondo os obstáculos que aparecem sem a gente pedir. Outras pessoas, ao invés de se livrarem dos aborrecimentos, começam a varrê-los para debaixo dos seus tapetes da vida. O volume dessas dores ali acumuladas, se não são erradicados com ajudas externas, só irão, por comodismo ou medo, endurecer  mais e mais, tornando difícil e quase impossível qualquer caminhada nova.
                    Essas pessoas criam suas moitas e tentam se proteger com seus marimbondos”.
                    Não importa se estão certas, se estão se protegendo de novas dores ou se optam por solidão por medo de novos traumas. O que importa, é que se tornam mais duras e seletivas, a ponto de transformarem suas moitas numa grandeza tão grande e inóspita que sequer a maior força da vida consegue penetrar...
                     ...o amor.


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