Fim de Domingo.
“_À luta, mulher que o recolhimento só é saudável até certo ponto. Depois com essa tua alma sensível, pode se transformar em depressão, doença do século que se inicia."
"_ Há que se por de pé e sair. Você já sabe que também há amigos além dessas paredes e tão bons como os daqui ."
E a mulher ouviu a voz que vinha de experiências passadas. Sabia que o que queria não dependia de si. Havia se encolhido o mais que podia para que as armas não a atingisse. Havia feito apelos e recebido apoios, mas agora tinha que reagir.
Sábado à tarde e a mulher se preparou para sair. Tratou da aparência. Escolheu a roupa. Calçou uma sandália alta que estava encostada. Pegou as chaves do carro e partiu. O destino era bem próximo, mas ela enveredou por outras ruas até lá chegar. Às vezes ela faz assim.
Abraçada com carinho e alegria participou de tudo. Riu e fez rir com suas últimas distrações. Ouviu aquela canção que um dia alguém cantara para ela ao som do violão. Mas não deixou a tristeza entrar.
Sem muita insistência dividiu o microfone e cantou. Ela adora cantar.
Foi sim uma bela tarde, mas o dia ainda não havia terminado. Desceu uma rua e encontrou mais gente querida em um bar freqüentado antes com o mesmo cara do violão. Tomou apenas dois copinhos de cerveja, pois lá não servem chope e a cerveja é servida em pequenos copos para não esquentar. Ah, a mulher ao qual me refiro não se dá muito bem com álcool e portanto só bebe pouquinho.Era tão perto de casa que a lei seca não a pegaria.
Crime confesso volta para a casa a mulher. Depois do banho, fisgou-lhe a dor que naquela tarde ela pensou ter vencido.E doeu a noite toda. Dormiu e sonhou com a dor. Acordou com a coluna incomodando muito e lembrou do salto da véspera. Aquela sandália acabara com a sua lombar. Então resolveu se entregar, iria cultuar mais a melancolia naquele domingo que já ía para lá de meio-dia.
Mas ela luta mais do que pensa poder. Bem que lhe disseram várias vezes que sensibilidade, não era sinônimo de fragilidade. Ao invés de se recolher aceitou o convite para o almoço e seguiu para a maratona da churrascaria da moda.
Os nervos à flor da pele, bem ao ritmo da letra de Zeca Baleiro, lhe fez passar do lugar e fazer o retorno bem além na grande avenida. Ao chegar ao restaurante, caso o manobrista não a socorresse a tempo era bem capaz daquela mulher sair gritando do carro diante da confusão de automóveis no estacionamento.
E começou a comilança digna de Pantagruel. Tentou ficar nos frios, mas não resistiu. Só dispensou crustáceos, sushi e caviar. O primeiro por recomendação médica, os outros dois, por não combinarem mesmo com o local, nem lhe serem tão apetitosos assim.
Comer bem é um dos prazeres mais apreciados pela mulher sensível e dos frios, passou pelas carnes maravilhosas, sobremesa e cafezinho querendo curar com as iguarias a angústia que sentia.
Lutou bravamente. Viveu o fim de semana que a vida lhe ofereceu. Riu, cantou, comeu. Teve a companhia dos seus.
Porém, voltou para a casa com um silêncio forçado formando um nó na garganta e contendo a vontade de repetir a oração ao santo de devoção que parece não mais a ouvir.
Ela vem fazendo isso há algum tempo. É um exercício desagradável. Mas faz parte do crescer. Ela ainda acredita em um plano maior. E sabe que sairá mais forte. Cada vez mais mulher e menos menina.
Evelyne Furtado, em 31 de agosto de 2008.