AS APARÊNCIAS ENGANAM


          Só havia cinco pessoas naquele barzinho. Dois casais e o dono do barzinho. Tocava uma música do Zé Ramalho: "Há um brilho de facas, quando o amor vier, e ninguém tem o mapa da alma da mulher."

O dono do barzinho estava já louco para fechar o estabelecimento, mas os dois casais eram clientes há muito tempo. Um casal sempre sentava na entrada, o outro sempre na última cadeira, lá atrás mesmo. Mas não se conheciam.

A música mudou, o Seu Bidú colocou na vitrola Djavan.

O casal dos fundos, repentinamente, começou a brigar.

"Normal: só estão discutindo a relação". falou bem baixinho Pedro Marcelo para a sua namorada.

Mas a briga continuou. O Seu Bidú nada fez, até aumentou o volume do som para não ouvir a discussão e foi para a cozinha do barzinho. "De novo!" Saiu resmungando.

O homem se levantou e começou a socar a mulher, foi de joelhada na cara a pisão no pé.

Camila Joana olhando aquilo, pediu que Pedro Marcelo fosse falar com o homem que batia na mulher para parar.

"Euuu?" - com a voz trêmula e olhar incrédulo, soltou essas palavras Pedro Marcelo.

"Sim, Você... Porque senão vou eu". - Camila Joana já foi se levantando, e espraguejando o homem, enrolando as mangas da camisa, fechando a cara.

Pedro Marcelo olhando aquela atitude da sua namorada se perguntou: "Quem o homem dessa relação, Pedrinho?". Levantou. Segurou a mulher pelo braço com segurança. Olhou firme. Enroqueceu a voz e falou que nem macho de verdade:

"Nunca permitirei que um homem bata em uma mulher na minha frente!"

Os olhos de Camila Joana se encheram de água:

"Meu homem."

"Agora, sente-se aí e deixa que eu resolvo essa parada."

Pedro Marcelo com sangue no olho deu uns dois passos e percebeu que o homem já tinha tirado até sangue do nariz da moça, além de estar apontando o dedo para a cara dela.

Deu mais dois passos. Veio um frio na barriga.

Deu mais três. Esbarrou nas cadeiras. Olhou para trás e viu sua namorada com um ar de orgulho, e gesticulando com uma mão socando a outra.

Deu mais um passo. As pernas começaram a tremer. "Esse homem é maior do que eu... E agora?" pensou.

Parou. Engoliu seco uma saliva, vulgo "cuspi". Feçou os olhos. Pensou que, se não fosse lá, sua namorada ia ficar chateada, e poderia até terminar com ele. "Isso jamais! Ela é linda, tem uma pernas muito linda, seu sorriso é perfeito, é inteligente..."

"Anda logo Pedro!" - Gritou Camila Joana.

Abriu os olhos, traçou uma linha reta e encabeçou nela. Tocou no homem. Esse nem virou. Mas ele começou a falar a frase já gravada:

"Olha aqui, Grande! Acho inadmissível que um homem bata em uma mulher... Isso é imoral, antiético. Isso não é coisa de homem."

O homem virou, e com a voz doce:

"Mas eu não sou um homem... Prazer Fernanda...Só estou dando o que ela merece, entendeu? Ela me traiu com um homem. Eu acho isso inadmissível."

“Não é nada demais... É assim que a gente se trata mesmo.” Falou a que copiosamente apanhava. “O Seu Bidú até se acostumou”.

Pedro Marcelo não sabia o que falar. Virou-se feito uma múmia e se dirigiu para a sua namorada.

"E aí? você falou o quê para ele?"

"Nada..." Já se recuperando da cena anterior.

"Como nada?"

"Não era homem... era uma mulher. Ai eu não ia fazer nada contra uma mulher. né, amor?!! E afinal elas só estão se amando, de uma forma diferente, a bem da verdade!"

"Nossa!... Então vamos embora. Deixem elas discutindo numa boa"

Camila Joana o olhou:

"Gostei muito dessa sua atitude" - Beijou-o.

"Não foi nada. É inadmissível que um homem bata em uma mulher na minha frente". - Falou o macho, quase todo orgulhoso de si. - “Mal sabe Camila Joana que eu estou todo mijado de medo." Pensou 

A urina, vulgo xixi, agora ensopava o tênis.

"Ai, amor, Me abraça!"

“Não! Estou literalmente chocado com a situação!”