O ser terceiro (teoria sobre amor e sexo)

Fiz uma terrível descoberta: o amor é uma tentativa de unificação da espécie. Não que eu tenha inventado isso, mas por nunca ter pensado nesse sentimento como um meio de liberdade provisória de si mesmo.

O homem não quer ser homem e a mulher não quer ser mulher. Cada qual vive aprisionado à sua natureza e a tara pelo outro é o habeas corpus, a escapadela que o espírito necessita para se libertar da sua própria solidão. Os dois têm um desejo de ser o outro, e o sexo como clímax do amor é a materialização dessa ânsia de liberdade.

A mulher quer ser descoberta, escavada pelo homem. Quer ter seus segredos revelados, seus caminhos percorridos, suas súplicas minimizadas. Quer ser despida e amada na selvageria do coito. Quer ser chamada de amor no café, na oração e na sacanagem. Quer eternizar o instante do gozo nas atitudes do seu amado... E é a falta da reciprocidade masculina que a leva à depressão constante, a maioria comunga a ingratidão imposta pelo seu macho e depreda verborragicamente a figura do seu varão (pra não falar palavrões aqui).

O homem quer invadir, vasculhar, desbravar os recantos da fêmea carente, ele quer erradicar a sua espécie e se entupir no vácuo feminino. Quer se perder nas idiossincrasias da mulher no cio. Quer voltar a infância, à época em que se enfartava do leite materno, e por isso quer se lambuzar na seiva dos seios durinhos da popozuda.

Se o homem não suporta a volição do corpo enquanto não restitui sua costela arrancada, a mulher, caso não se lance às delícias de um bom cônjuge, tem suas fantasias violadas, porque nenhum dos dois está contente com seu próprio sexo, cada qual quer se apropriar do albergue do outro, quer habitar a casa do vizinho e tornar-se habitante dela.

Na junção dos dois cria-se um ser terceiro, uma anomalia que não é homem nem mulher, é uma espécie de ser indômito formado pela metamorfose dos dois corpos. Macho e fêmea se aglutinam criando uma aberração da natureza. A alguns parece demoníaca, imunda, depravada; para outros, algo divino, contemplativo. A concepção desse outro, que não passa de uma tentativa nossa de reatar um elo perdido, de restaurar um pacto desfeito pela evolução do pudor, da ética, do amor. Cria-se no sexo uma ligeira impressão de eternidade, de paz efervescente, porque ali contemplamos a satisfação de livrar-se de si, ali ocorre a mutação, porque nos tornamos desse modo parte integrante da espécie do outro.

Os gêneros se fundem, talvez numa busca insaciável de ser algo novo, maior, completo, poderoso, avassalador, algo feito de mistério, sem as leviandades do humano, sem definições da ciência e da filosofia, sem as deficiências da carne encoberta, do espírito reservado, um bicho de duas costas e sem frente. Acoplam-se, desnudam-se, devoram-se, nutrem-se porque no outro perdem sua própria identidade, suas conjeturas são unidas e perdidas. O homem e a mulher buscam algo maior, metafísico, transcendental, algo que foge à definição das palavras, um objeto novo, sem forma definida pelos olhos, que se debulha na junção das almas, buscam ser algo assim, hum...

tipo Deus.