Horóscopos

...e, quando eu, totalmente pagão em horoscopia, resolvi escrever sobre a coisa. Pelo menos acertei tanto como a nossa Thimarta, a primeira dama brasileira da horoscopia comercial. Ou, como soe dizer-se, de toda a América Latina.

Foi há uns bons longos. Thimarta, a sabedoria máxima na coisa dos signos, anuncia, alto e bom som, que o Papa estava nas últimas e que, breve e após sua visita ao Brasil, chegaria ao fim de seus dias. Consultara os astros. Fizera o mapa. “Saturno, Marte e Plutão, encarquilhados, estão pensando numa espécie de complô que vai ferir de morte o romano pontífice. Há indícios de que Sua Santidade sofrerá um sério nervosismo pulmonar antes de sua viagem ao Rio de Janeiro, o que o vai levar ao descanso por data indeterminada”. Palavras textuais. Outubro de 1997.

O melhor da história foi que sabetudo, a melhor revista da localidade, foi um corre-corre, atrás da hirta senhora, para dar a notícia em primeira mão. Thimarta dá a entrevista e com base no mapa astrológico, grafado no texto, garante a eficácia astral da profecia. Minha tia Nenê, que leu a reportagem com foto e tudo, foi um mar de lágrimas, não parando de rezar ao seu deus pelo bondoso pontífice do reino cristão.

Já se passaram uns bons cinco anos e o romano pontífice continua em plena atividade. Hoje, dia 20 junho de 2002, dia da Gazeta em que sai esta crônica, ele está vivinho e santo e ainda fazendo viagens pelo mundo inteiro, apesar da maleficência astral de Saturno e companhia limitada, incluindo a feral sentença da Thimarta astrológica.

Agora, vejam como eu, pagão em horóscopos, me abalancei à coisa. Na redação da gazeta, nós, os três repórteres do jornal, não havia maneira de conseguirmos matéria para meia página do bissemanário. O cronista do futol - pronúncia veloz de futebol -, nada de encontrar aquele bom naco de prosa desportiva e sempre destrambelhada para tapar o buraco gazetário. Valeu-nos o Zeca Chanfrado, que, pousando na mesa as cervejas trazidas para esquentar nossas ideias, foi logo: metam os signos! É tão bonito!

Sugestão aceita. Tomo de um almanaque velho que por lá parava. Rápido, de imediato e com frases tomadas aqui e ali, escrevo sobre os doze signos do zodíaco.

Pronto! gazeta pronta e na rua!

Ainda me faiscaram uns sentimentos de remorso pelo espaço desperdiçado. Se o diretor reclamasse?! Nada! O diretor, mal viu o jornal, foi a primeira coisa que leu e logo separa um exemplar para a Inezinha, que lhe faz o bonito serviço de vice-esposa.

Eu, animado, levo jornais para minhas amigas do prédio e vizinhas. Elas aceitam. Leem e comentam as minhas profecias dos signos astrais.

- Você leu, Filozinha?

- Os signos?! Li. Deu tudo certo. Tudo certinho. A Mazé perdeu o namorado, mesmo como dizia no jornal.

Fiquei animadíssimo. E, sem quebra de espaço, faço, em todos os números do jornal, sair a coluna dos signos. Como arranjo tanta sabedoria? Fui a jornais antigos e almanaques fajutas. Recorto. Misturo pedaços. Uma prima espanhola do Uruguai me empresta uma série de revistas culinárias da terra e lá, sim, é que tinha horóscopos de arromba, bem naquele estilo quixotesco, prometendo e antevendo fortunas e amores de um por-de-sol ao raiar da aurora. Confeccionei horóscopos para o ano inteiro. Melhor para seis meses. Depois é só questão de trocar meses e nomes. Os de Escorpião passam para Gêmeos. Os de Carneiro são mudados para Capricórnio. Tudo galopando neste rodízio. A quem me consulta e me pede o mapa (já vou tendo clientes sabidos e colegas invejosos), informo, com toda a convicção, que essa tal roda astrológica está superada e que nos Estados Unidos e Japão não mais é usada. Estou famoso. Acho que rivalizo, em fama, renome e aceitação, com a nossa Thimarta, poderosa na coisa.

Há sempre quem pergunte como adquiri ciência tão bonita. Cito livros e nomes que me vêm à cabeça: São Cipriano, Fausto, Madonna, Eusébio, Aristóteles, Nostradamus, Marilyn, Livro dos Mortos e outros famosos em qualquer área. A Filó lê. As amigas dela leem. De início, trazia alguns jornais para ela e amigas dela. Hoje, trago um monte de jornais e deixo na portaria do edifício. Toda a gente compra. Todas as filós passam a gabar esta minha ciência. Só Carmita Brasileiro, boquinha tronchuda como traseiro depenado de galinha gorda, é que não vai com a coisa. Que o pastor diz que isso é coisa do demônio. Nem fala comigo e foge de mim com medo de que algum satanás, saltitando dos meus olhos, lhe salpique, com lama sensual, a saia evangélica quatro dedos abaixo do joelho, bem medidos pelo pastor.

Ao primo Esteves, que me inveja e é fiscal da receita federal, explico-lhe que aprendi a coisa, lendo num livro antigo, escrito em latim (aprendi latinadas quando fui sacrista) por um frade das arábias que viveu milénios antes de Cristo, o que o deixa meio atarantado e muito confuso, silabando: frade... latim ... milénios antes de Cristo. Assim escapo da pata leonina do imposto.

Mais. Breve vou ter coluna diária sobre horóscopos no melhor diário da capital. Receberei o salário de três mínimos mas vou lutar para ganhar também os meus vinte mil reaizinhos que é tanto quanto ganham as beijoqueiras nenês das aromadas novelas das sete. Já estou colecionando as frases bonitas de vejas épocas cordéis; um pastor da universal me disse que segunda-feira é o dia em que o demônio mais abusa do corpo das mulheres, devido ao desgaste machista com o futol dominical. Por isso os horóscopos de segunda-feira devem ser temperados com as tretas diabólicas. Espero que meus novos horóscopos sejam coisa de arromba! Nem me toco com as críticas dos invejosos por estar a ganhar dinheiro com uma das três profissões mais baratas do mundo. Seja! As outras duas - ser pastor da universal e fazer reportagens de futol - não rendem tanto.

Enfim, estou contente com a profissão. Sucesso aos montes. Até me compraram ao Paulo Coelho. Para a malta da gazeta sou o chico coelho dos signos.