Brasilialidade

As maioria das cidades pipocam no mundo. Elas acontecem. Brasília não acontece. Brasília já foi construída e formatada para existir. Mas que Brasília é essa, capital do Brasil? São tantas Brasílias que eu ainda não conheço todas. Conheço aquela Brasília da cúpula, fechada, que se limita às extensões das “asas” cuja denominação nem mesmo existe em seu projeto original – a menos que cruz tenha asa e eu não saiba. Conheço a Brasília limpa e livre visualmente, a Brasília do fácil transporte (a pé), dos centros comerciais e administrativos, da beleza incontestável de um céu aberto, a Brasília que o dinheiro pode mostrar. A Brasília da miséria passa despercebida. A Brasília dos cidadãos que dormem na rua, das crianças que trabalham no sinal, das mulheres que são vendidas na rodoviária, da prostituição, da violência, dos assaltos, da corrupção e dos assassinatos - dessa Brasília, a gente esquece.

Mas existem outras Brasílias também, que só agora estou descobrindo. A Brasília das políticas, das peças, das músicas, dos cinemas, das conquistas e das lutas sociais. Existe a Brasília dos prédios mais altos, a das casas baixas, dos aglomerados, dos espaços abertos, a Brasília de fora da cruz e a que fica aqui do lado, a Brasília bonita de parques e flores, e a Brasília incógnita, dos farrapos e vidros quebrados. São tantas brasilialidades, que eu acho que a cidade é uma só: é ela e todas as outras.

Quem foi que disse que Brasília não acontece? Ela acontece, sim. Aconteceu e eu nem vi.