Obrigada, somos livres!

Não se fazem mais revolucionários como antigamente.

Na verdade não se fazem revoluções como antes.

Hoje as grandes mudanças simplesmente não acontecem. Gradativamente vamos nos adaptando ao que nós é oferecido, certos de que realmente somos sortudos por poder usufruir da liberdade enorme que possuímos. Liberdade?

Ah, sim... Temos o direito de escrever baboseiras contra todos os governos. Temos igualmente o direito de escrever coisas sérias contra o sistema, contra o técnico da seleção, contra o Papa. Temos a chance de falar às pedras e explicar como a vida seria melhor se houvesse isso ou aquilo...

Podemos cantar o "Créu" em todas as velocidades possíveis, e deixar nossas crianças se divertindo com a "Mulher Melancia" o "Homem Berinjela" e qualquer outro híbrido de humano-legume que a mídia consiga criar. Obrigada, somos livres.

Podemos entrar na internet e passear por entre os milhares de sites especializados em sexo com crianças, sexo com animais, sexo com ventiladores, sexo com idosos vesgos...Obrigada, somos livres.

Temos o maravilhoso direito de mandar o prefeito pra diversos lugares não muito agradáveis, cada vez que quebramos o salto, o pé ou o carro em um dos inúmeros buracos que decoram nossa cidade. Podemos escrever cartas ao jornal local, reclamando da falta de asfalto, da falta de creche, da falta de comida, da falta de água, de ar, de chuva. E por mais íncrivel que pareça, essas cartas serão publicadas! Obrigada,somos livres.

O que não percebemos, é que por mais que gritemos, escrevamos cartas, façamos passeatas pró gays, pró maconha, pró aumento de salário...Nada muda. Nunca. Por que no fundo, as passeatas que fazemos, as cartas que escrevemos, os gritos de raiva que damos não vem do coração. São em grande maioria tentativas vãs de aplacar o peso que carregamos no peito.Nós, filhos e netos daqueles que lutaram pelas Diretas-já, que enfrentaram uma ditadura militar severa e cruel. Que morreram e viram morrer, que foram às ruas com faixas e cartazes sem medo das bombas, dos "brucutus", dos militares armados...Somos os filhos dos que gritaram "Afasta de mim esse cálice", dos que acreditavam "Nas flores vencendo o canhão" e que "Uma dor assim pungente, não haveria de ser inultimente". Desculpem-nos, todos vocês, que sonharam com um Brasil de liberdade, e nos deram de presente a democracia. A dor foi inútil. O sangue derramado foi em vão. Nós simplesmente não sabemos o que fazer com a liberdade que conquistaram e provavelmente vamos seguir elegendo o "mais bonito", "o mais humilde","o que rouba mais faz", "o que promete asfalto gratuito"...

Talvez sejamos tão livres que não temamos por perder a liberdade. Ou talvez estejamos tão presos que mal sabemos o que essa palavra significa.

Mas, mesmo assim...Obrigada. Somos livres?

Meri Jaan
Enviado por Meri Jaan em 03/10/2008
Código do texto: T1209765
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