Cada um tem o seu fã!

Movido pela necessidade de acompanhar um pedólogo em suas investigações do solo, em uma região onde deverá ser implantado um perímetro irrigado, encontrei uma casa de taipa, só de um cômodo e cozinha ali reside um casal sexagenário e solitário, mas indicando um estar ali um par romântico, Até porque sem televisão sobra tempo para amar! Naquela residência edificada no centro de uma plantação de feijão macaça, o feijãozinho do sertanejo utilizado na confecção do acarajé e outras iguarias. Pareceu-me ser ali o pouso da felicidade.

Enquanto o pedólogo e seus auxiliares se davam a tarefa de explorar aquele chão, para verificação de sua salinidade, fui até aquela casa caiada de branco. É branca não para que se destaque do verde que a cerca, mas é “para modo de espantar os barbeiros”, explicou aquele homem de cabelos e barba brancos falando do inseto transmissor da doença de chagas. O casal me convidou a entrar e ao que piseir na soleira, minhas vistas visitaram em um olhar todo aquele lar, que como imaginei é um doce lar. Uma cama de casal parecendo feita de fueiros de um carro de boi, um velho cabo de vassoura atravessado na quina das paredes coberta com uma cortina plástica era o “guarda-roupa”, um banco de madeira com aproximadamente dois metros que servia para passar o dia ouvindo um rádio de pilha.

Também havia uma cômoda em que nas gavetas eram guardados documentos de aposentadoria, fotografias, e as pequenas peças de roupa. Sobre o móve havia um jarro, com algumas flores colidas naquele campo, colocado em frente a imagem de Nossa Senhora Aparecida, protetora do Brasil, e também de Santa Bárbara, que segundo o mito é protetora das pessoas durante as tempestades. No mesmo móvel no lado posto uma fotografia dos filhos, que tinham ido para morar em uma cidade grande. Ao fundo, em uma cozinha coberta de latada, as panelas de alumínio brilhavam como prata polida. Penduradas estavam às mantas de carne-de-sol, e sobre um antigo guarda louça uma moringa cercada de canequinhas esmaltadas.

Na parede pricipal do cômodo sala-quarto havia u ma espingarda de dois canos, pois como disse o dono da casa: “Priveni é mio que remendar”, e explicou que se um tiro falhar o outro sai. Contou inclusive que por ali tem onça das grandes, e que só não mataou uma como prova, porque na hora falhou os dois tiros e o bicho fugiu. Tomei um café de bule, preparado na hora com a água fervida no fogão de lenha. Lá não tem garrafa térmica!. O café adoçado com rapadura nenhum mal me fez; naquela tarde o meu diabete estava controlado. E eu ia quebrando regras. Tirei o sapato e me senti a vontade, pedindo para me refestelar na rede colorida, cheirando a sabão caseiro, armada embaixo da sombra de dois vigorosos umbuzeiros, enquanto proseávamos sobre as coisas sertanejas Era a vida que pediria a Deus, se não fosse à dependência do salário ano fim do mês.

Assim que os pesquisadores retornaram, e já os aguardava a camionete com tração nas quatro rodas, solicitei para um deles que me fotografasse ao centro daquele casal. Pedi que sorrissem, e ela que, durante as horas em que permaneci, ali só falou “pode entrar” na minha chegada e “até mais” na minha saída, sorriu alegremente. O resto do tempo passou em pé na porta dos fundos, me olhando com curisidade e sorrindo com a mão na boca; imaginando que assim eu não perceberia que estava banguela. Fotografias feita me despedi do casal. Dois sinceros sorrisos na porta que diminuía na distância que nos afastavamos.

Dias depois fui ao encontro do homem do sertão em uma fila do banco, onde o casal me informou que ali vão retirar a aposentaria rural. Deixei-lhes uma cópia da foto em bom tamanho, ele me pediu autografa-la como se fosse eu um astro. Passados anos voltei aquele campo. A casinha pintada de branco novamente, o casal sorridente também. Na parede pricipal pendurada e emoldurada, além da espingarda está a foto que tiramos Parecendo velhos amigos estamos emoldurados e sorrindo. Tomei mais uma caneca de café e fui dormir uma tarde na rede colorida como estava naquele momento a minha alma. Passei a voltar a cada ano!