Tem merenda, dona?

Sou professora em BH e pelo calendário letivo da nossa cidade, as escolas municipais podem ter uma semana inteira de recesso, em outubro, onde comemoramos em casa, com merecido descanso , o dia do professor, sem prejuízo da carga horária.

Essa semana, pra nós professores,é muito esperada e bem aproveitada para colocar a vida em ordem e/ou é usada para viagens, passeios ou seja lá qual for outro tipo de fôlego pra repor as energias necessárias para enfrentar os meses restantes do ano escolar.

Porém, para muitos dos nossos alunos, pra não dizer todos, é uma semana de muitos sacrifícios. Ficam felizes por “não terem aula”,mas é uma alegria com pouco poder de convencimento.

Sabemos que é na escola que eles encontram muito do que precisam. Limite, educação, carinho, brincadeiras, atividades físicas, histórias, ou seja, tudo que a família ausente, de pouca conversa ou tempo, não oferece. E, o mais importante, muitos dos alunos recebem na escola a única refeição do dia. A merenda escolar, sagrada!

No nosso dia a dia, observamos os olhinhos fixos no relógio da sala e os comentários insistentes: “Tá quase na hora?” “ Ainda demora?” “ O que é de merenda hoje? “, etc, etc, etc...

Pois bem, numa dessas tardes, da semana citada acima, estava eu, após o almoço,em casa, navegando na net sem nenhum compromisso, por puro lazer, quando a campainha tocou.

Pelo interfone ouvi uma voz infantil me pedindo um prato de comida.

Pedi que aguardasse e fui até a cozinha onde as travessas, ainda cheias de alimento, esfriavam sobre o fogão. Nesse dia havia feito grande quantidade e com a desculpa do calor ninguém teve o apetite habitual.

Ao abrir o portão, numa situação pouco agradável, vi que a voz infantil, que há pouco me fez o pedido, pertencia a um aluno da escola onde trabalho.Portanto , meu aluno também. Ficamos sem graça, um olhando pro outro durante alguns segundos. Entreguei a comida, puxei assunto, tentando parecer o mais natural possível.Ele agradeceu. Vi que estava acompanhado de mais crianças. Perguntei seu nome e ele num sorriso muito aberto respondeu:Lucas!

Tive a certeza que naquele dia, esse aluno não teve nada na mesa pra comer.A escola estava fechada e sem a merenda ele e seus amigos foram obrigados a procurar uma saída, outra alternativa, mesmo que para isso devam ter caminhado uns 4 km, que separam minha casa do bairro dele.

Destino? Coincidência? Não sei...Só sei que fechei o portão ainda sem graça, pensando que podia simplesmente, pelo interfone ,ter negado a ajuda, o que evitaria tal constrangimento. Ele não saberia quem morava naquela casa e nem eu saberia a quem pertencia àquela voz faminta.

Mas, mesmo com esse desconforto, fiquei muito feliz. Analisando a situação que acabara de viver e acreditando que uma energia maior me levou a vivê-la. Agradeci a chance de fornecer, naquela tarde, a “merenda” que esse aluno,criança-cidadã com direitos básicos, infelizmente não assegurados, ainda não tinha recebido!

Tenho conhecimento, vivência do quanto a merenda escolar faz falta aos nossos alunos. Seria muito bom que numa semana como esta ou mesmo no período de férias, esse benefício não fosse negado. Por que não, abrir a escola e presenciar a alegria nos olhinhos brilhantes de nossas crianças, perguntando:

“O que tem de merenda hoje?”