As máscaras da paixão

Ensinam os tratados de Psicologia e Psiquiatria serem as paixões estados de intenso prazer ou desprazer, que duram algum tempo, pois se esgotam em si mesmas, e que giram em torno de uma idéia monopolizadora, não deixando brecha à entrada de mais nada no campo da consciência. Há paixão por pessoas, religiões, causas e até mesmo por sonho. A tirania da paixão é tão forte que nenhum argumento lógico convence o apaixonado de seu equívoco.

As paixões de estados tão complexos, podem até inibir o instinto de conservação do indivíduo. O apaixonado, embebido em seu furor sentimental, deixa de comer, esquece o cansaço, mitiga a sede. Quer seja de natureza amorosa, política, mística ou estética, o apaixonado se absorve em toda a sua plenitude, esquecendo do próprio EU.

Mas não são os Tratados de Psicologia e Psiquiatria quem melhor descrevem as paixões. Os poetas, filósofos, escritores, romancistas, penetram nelas com mais agudeza. Há os que as condenam como sendo mesquinharia da alma irracional, tal qual Sto. Agostinho, os estóicos, Rousseau e Spinoza. Há os que as exaltam, como Descartes em seu “Tratado das Paixões”, Hume no “Tratado da Natureza Humana”, Baudelaire e os epicuristas. Nós, pobres mortais, sujeitos a elas, ficamos com o dever de compreendê-las, vivê-las e vivenciá-las.

De todas as paixões a amorosa é, fora de dúvida, a mais terrível e a mais decantada por escritores, poetas e homens do povo. É tão marcante quanto a frase de um velho amigo: "Nada melhor que uma paixão de tempos a tempos para rejuvenescer a alma". Talvez se inspirasse em Pablo Picasso que passava da fase azul para a rósea ou para o cubismo a cada mulher que amava. Nesse terreno ninguém superou Shakespeare: Julieta ingere um soporífero oferecido pelo bom Frei Lourenço e morre na impossibilidade de viver com o seu Romeu. Ou Otelo matando Desdêmona por ciúmes.

A paixão pelo dinheiro – a avareza – tem sua representação máxima na figura de Fiodor Karamazov, e a paixão pelo jogo na obra "O Jogador" de Dostoiewski, ele próprio, envolvido em dívidas, apaixonado por uma caprichosa adolescente a lhe extorquir os últimos tostões. Outros exemplos de paixão na literatura estão na "Servidão Humana", de Somerset Maughan, em "Madame Bovary", de Flaubert e em nosso livro de cabeceira de adolescente: "As Três Paixões" do inesquecível Stefan Zweig, que se suicidou no Brasil.

Atualmente está em moda a paixão mística. Multiplicam-se seitas e mais seitas religiosas, algumas com fanatismo delirante. Substituiu-se a paixão política das décadas de 60-70, como se a nós fosse dada a onipotência de reformar o mundo. Diante da rapidez das reformas, das comunicações, das verdades, o homem sente-se fragilizado e busca na paixão mística a resolutividade de sua insegurança. Até os empresários, na incerteza do mercado, recorrem ao misticismo ou à logorréia de um Lair Ribeiro. Uns fanatizam-se com Paulo Coelho, outros pelas Amway, e tais paixões se aproximam da convicção delirante da verdade absoluta.

Ninguém neste mundo de dúvidas está imune à paixão. Nem bispos, freiras, nem monges. E mais ainda: as paixões nada têm a ver com nível intelectual ou carreira profissional. Vão desde Balzac em sua paixão por mulheres mais idosas e Descartes pelas mulheres estrábicas, até a paixão, de Sandra por Cícero, mecânico da Ribeira. Tudo pode ser desculpa para a paixão, seja o flamengo ou o corintians, a Igreja Universal do Reino de Deus, o marido da irmã, o sócio do esposo, aquela mulher de todos os dias das caminhadas pela praia, o padre pela fiel do confessionário, o pastor por sua ovelha, a adolescente pelo baterista do conjunto musical, a aluna pelo professor ou o vizinho do apartamento. O que fazer?

Maurilton Morais
Enviado por Maurilton Morais em 16/03/2006
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