Vida de Casal

Embora a evolução das espécies tenha se esforçado para o acasalamento, especialmente dos pássaros aos chipanzés, no homem, tido como o mais sábio e inteligente dos animais, o social e as religiões têm feito o possível para atrapalhar. Mesmo assim, a tentativa de viver junto, dividir tarefas, copular de forma monogâmica, habitar o mesmo território ou habitação, tem se constituído em difícil e judicioso processo de adaptação.

Deixemos os macacos antromorfos e os hominídeos para lá e cuidemos de nós, gente. Não é novidade que as necessidades econômicas sempre condicionaram os tipos de união de famílias. Hoje, do século XX para o XXI, já não se transfere saber, dinheiro ou educação como antes e os casamentos são mais raros, as pessoas se casam mais tarde e se desfazem as uniões com incrível facilidade.

A vida a dois torna-se tão dinâmica como dinâmicas são as mudanças das informações e de situações da vida e do mundo. Homem e mulher se olham mais em igualdade de condições que antes e a competição e desconfiança entre ambos aumenta. As dificuldades do casal exigem intrincadas redes de negociações, pois a velha ordem patriarcal se esmaeceu desde há tempos

O convívio a dois, passa por diversos instantes ou fases. No início “tudo são flores", cada um entusiasmado com o outro, imbricando-se numa vida de isolamento, até compreensível e necessária para o melhor conhecimento. Cada qual procura agradar o parceiro, num jogo de sedução, como fazem vários insetos, pássaros e mamíferos.

Com o passar dos dias, surgem as primeiras realidades. Afinal, ninguém consegue enganar por todo tempo. Quando os defeitos aparecem, somente a atração ainda muito forte e o desejo de continuar juntos "pode segurar” a relação amorosa. Trata-se do momento crucial, da encruzilhada, do instante “D” do casal. Se não ocorrer diálogo e boa vontade, a vaca vai para o brejo.

Caso não haja superação, quando os defeitos surgem, a vida em comum tomará variados caminhos. O mais direto é a ruptura quase sempre facilitada pelos bons estímulos do mundo externo. Quando não se está bem dentro de casa, a casa inteira está desarrumada, surgem estimulantes convites para arrumá-la a partir de fora. As pessoas intranqüilas no convívio a dois são por demais vulneráveis e sugestionáveis aos amores extraconjugais.

Alguns fazem de conta que nada acontece e se retraem em enigmas indecifráveis. Nada dizem, nada comentam e mantêm intactas as aparências num mar de tranqüilidades superficial. Esconde-se, por trás das máscaras, um disfarce de rancores, mágoas e desejos de vingança. A exploração surge com a força dos vulcões e cataclismos, sobressaindo o ódio como denominador comum. As brigas, explodem quando menos se espera.

Em certos casais, diante de crises e mais crises, um dos dois se despersonaliza, se fragiliza a fim de se adaptar às circunstâncias. Nesse caso, um dos parceiros sentirá ilusoriamente feliz e o outro catastroficamente infeliz. O ambiente familiar tornar-se-á árido, insípido e inodoro. Funciona como algo descolorido, nem carne nem peixe.

Entretanto há situações onde as crises são fontes de renascimento e fecundidade, mas para isso é de fundamental importância o desejo que possam sentir um pelo outro. Para a superação dos problemas é básico haver atração. A idealização fantasmagórica no início do acasalamento, cede à realidade dos limites de cada um, da potencialidade dos dois e à vontade de continuar juntos.

Em qualquer vida de casal é freqüente a perda da erotização e quando se acertam, há o aumento do companheirismo. Para se manter acesa a tocha da sexualidade genital precisa-se, além da atração e do amor, grandes doses de fantasia, boa saúde física e mental, namoro permanente e relativa insegurança.

Sim, pois a segurança absoluta, transforma os bons amantes em irmãos. Isso é verificado na prática quando o que deseja ser livre e reclama do sufoco que o outro lhe proporciona, muda ao sentir-se prestes a ser abandonado. Aí inverte-se a situação: quem era na aparência independente, tonar-se o dependente; o que sufoca, percebe-se mais livre.

O equilíbrio conseguido às duras penas pelo casal, após vários acidentes de percurso, há de ser sempre frágil. Para um relacionamento mais duradouro, nos tempos instáveis de hoje, com a igualdade sexual de hoje, mister se faz discreta dose de fragilidade. A eternidade se faz às custas da sucessão de hipotéticos instantes fugazes.

Para se viver bem em casal, renunciando à misantropia, há de se ter imensas doses de criatividade. Criatividade essa para transformar o velho, o usado, em novo e interessante. Só se consegue ser assim colocando algumas pitadas de fantasia na realidade, mas não muito a ponto de se cair no ridículo.

Para se viver bem em casal é essencial que as diferenças sejam aplainadas como se faz com a madeira nobre. Que essas diferenças não sejam por demais gritantes, pois o amor não supera tudo, nem remove montanhas muito altas e rochosas.

Viver bem a dois implica ter-se paciência e obstinação dos monges budistas, dosada com fogo dos latinos. É preciso medir a possibilidade de nada ser definitivo e sempre ter em mente a imagem de dois seres em permanente mutação, ao sabor das circunstâncias, das idades e das instabilidades afetivas. Os laços jurídicos são o contra-ponto de nossas fragilidades biológicas.

Maurilton Morais
Enviado por Maurilton Morais em 16/03/2006
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