joão

Era sábado de carnaval. Aquela agitação da rodoviária, gente indo pra todos os lugares. Gente ia, gente chegava. Gente só olhava.

Eu também fui. Na mochila, roupa de cama, barraca, vestido e busca de paz. No bolso de fora, silêncio, dinheiro, sombrinha e celular.

No ônibus, pão de queijo, todynho e companheira de viagem. Deu vontade de ligar prum amigo. Procura o celular. Celular. Celular?

Esqueci o celular. Liga em casa.

Não, não esqueceu o celular.

Ligo. Atende um menino. O celular não é dele não.

Nem meu. Nem meu?

No meio da confusão, bolso de fora foi aberto. Lá se foi o celular.

Ficou a busca de paz, ingrediente principal dessa bagagem. Olhos atentos à paisagem da estrada. Bonita. A paz vem chegando. O moço do celular... quem será que tem agora os telefones dos meus amigos? E as mensagens guardadas? Mensagens de amigos e de amores?

Mensagem nova: a minha. Aviso rápido de quem é do bem.

A paz silencia dentro do peito. É isso. Sou do bem. O moço do celular também pode ser.

Vamos curtir a paz do carnaval. Na volta, a gente dá um jeito nisso.

Congonhas. Ônibus pro sítio só depois das três da tarde.

Caminhada, morros, igreja. Uma oração pela família, outra pelos amigos. E também pelo moço do celular. De alguma forma, agora temos algo em comum.

O telefone da amiga toca. “É você”, ela diz. Eu não, o moço do celular. É do bem.

Na volta do carnaval, o celular é meu.

Tá aqui comigo, sem arranhão, sem créditos gastos. Sem clonagem. Sem medo. Sem nada disso que a sociedade mandou pensar.

Pessoalmente, o moço do celular jamais apareceu pra mim. É João. Vive por aqui. Nas margens da avenida, nas margens de um país que, muitas vezes, não sabe como lidar com sua própria história.

O moço do celular tem bom coração. Coração de João.

Aline Cântia
Enviado por Aline Cântia em 17/03/2006
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