EU PERDI A VONTADE DE GRITAR.


Despeço-me da mágoa e das nossas lembranças. Recolho-me. Aceito a atual situação sem espernear. 

Será que passei do ponto? 

Será que amadureci a ponto de cair? 

A fase é estranha, mas não caí. Apenas me deitei à beira do riacho e perdi a vontade de gritar. Gosto do burburinho da água que passa. 

A água sempre me renova, seja no mar, nos rios, nos lagos, nas piscinas ou mesmo numa deliciosa ducha descendo pelo meu corpo inteiro. 

Daqui de onde estou não tenho vontade de levantar. É tão aconchegante, tão calmo, tão distante. 

Esqueci alguns  alguns números de telefones e todos os dia reflito se vale à pena procurá-los. Anoitece sem que eu tenha chegado a uma conlusão. 

Tenho um aparelho comigo para receber ligações de quem quer me encontrar. De quem quer saber como estou. De quem se interessa pelo meu bem-estar. Através dele também sei a quem chamar.

Sair do espetáculo e dar de cara com a vida real é desagradável. Era muito mais fácil quando eu insistia  no mesmo drama e não aceitava a cortina se fechando.

Também seria mais fácil mudar a fonte de ilusão fingindo acreditar nas mesmas falas, porém esse fingimento seria como o do poeta e doeria como se a dor fosse real. 

Assim, fico aqui na margem do riacho. Um dia faz sol e nele me aqueço; em outro chove e me encolho de frio. Um dia canto e danço; em outro me escondo. 

As águas, porém, continuam cantando em meus ouvidos e lavando os restos da festa de ontem para que eu possa receber melhor quem chegar.
 

Evelyne Furtado, outubro de 2008.

Texto publicado no Portal Cominique-se em 04 de novembro de 2008.

Evelyne Furtado
Enviado por Evelyne Furtado em 22/10/2008
Reeditado em 04/11/2008
Código do texto: T1242818
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