Lembranças.

Parece que foi ainda ontem, que vivia imaginando que minha vida seria sempre aquela coisa de passar de ano na escola, ter férias duas vezes por ano e esperar o natal fingindo que Papai Noel existia.

Tudo aconteceu tão rápido que nem me dei conta. Quando vi já havia me tornado homem, tinha uma família e trabalhava numa profissão que não gostava só para poder ter como sustentar minha família.

Interessante como tudo acontece sem nos darmos conta de que muitas das coisas que aconteceram, boas e ruins, ou foram porque acertamos em uma decisão ou por puro desmazelo.

Mas o que muito me faz falta é a saudade da casa de meus pais.

Ah... Que vida levávamos naqueles dias.

Nem sabia ainda o verdadeiro significado do que era responsabilidade. Mas sabia perfeitamente o que era ter o aconchego familiar.

É isso que me dar uma saudade aqui dentro só de lembrar.

Como era delicioso, chegar do colégio, tirar a farda rapidamente e correr para a rua e ir brincar com meus irmãos e primos, antes que meu pai chegasse para o almoço.

Por falar em almoço, sentávamos a mesa e meu pai na cabeceira parecia um “deus”. Ele sabia das coisas. Parecia um dicionário vivo.

Ah... Como era maravilhoso quando chovia e sem ter como sair de casa, ficávamos ouvindo historias contadas pela nossa babá. Naquela época nem existia televisão e radio era ainda de válvulas. Quando a temporada de chuva chegava fazíamos a festa tomando banho na chuva.

Como molecagem, íamos até o sitio de um negro que se chamava Gregório. Ele criava patos, galinhas caipiras e galinha da angola. Depois de colher algumas mangas, atas, goiabas, sapotis e mamão, saiamos trocando os ovos das pobre aves. As galinhas terminavam de chocar ovos das patas. As patas das galinhas de angola e estas ultimas os ovos das galinhas. Precisavam ver o desespero das galinhas na beirada de uma lagoa que ficava logo nos fundos do sitio, vendo os patinhos dentro d’água. E os filhotes de galinha da angola vendo a pata sair nadando na lagoa e eles no maior desespero.

O negro Gregório ficava muito contrariado, mas não reclamava com nenhum de nós.

Vivíamos num mundo de faz de conta.

Nossos brinquedos eram na maioria de madeira. Alguns inventávamos usando materiais que nossos pais não queriam mais. Qualquer objeto poderia servi de brinquedo. Bastava ter um pouco de imaginação.

Quando tinha um aniversário de algum parente, tirávamos a sorte pra escolher qual das visitas ia ter um pneu do carro esvaziado. Eu adorava quando o sorteado era o nosso médico. Aquilo tinha sabor de vingança pelas injeções que ele aplicava em nós.

Depois de esvaziado o pneu, aguardávamos um pouco afastado ele sair e depois de constatar que o pneu estava vazio, adorava vê-lo fazer a troca.

Este era sem dúvida nosso lado mal.

Mas nada como deitar-me no sofá da sala da casa de meus pais e ouvir minha mãe ao piano executando Le Lac de Come e alguns Noturnos. Ficava entretido durante horas a ouvir aquelas maravilhosas melodias.

Sentia-me apaixonado, como se meu espírito flutuasse embalado pela harmonia musical que saia do piano.

Tentei estudar piano, mas nunca consegui coordenar os movimentos da mão esquerda com os da direita. Achava isso revoltante e frustrante.

Nem me dei conta que estava crescendo. Em dado momento meu pai manda me chamar e diz que está na hora de trabalhar. Já estava com dezessete anos. Levei o maior susto. Não esperava que isso fosse acontecer e justamente no meio de minhas férias de meio de ano. Então a ficha caiu. Estava me tornando um homem e precisava agora deixar a molecagem de lado.

Fui trabalhar na Caixa Econômica como estagiário. Meu tio era o gerente da agencia de minha cidade. Meu primeiro dia de trabalho foi horrível. Ele me colocou ao lado de uma funcionaria gorducha que tinha a mania de ficar pegando no meu queixo todas as vezes que queria me chamar atenção por algum erro que eu cometia. Achei um absurdo que ela quisesses me fazer aprender cálculos de juros nas contas correntes. Eu sabia calcular juros, mas fazer lançamentos em contas correntes, contando os dias, isso era novidade pra mim. Ainda mais que a maquina de calcular era uma geringonça que precisava arrastar uns pinos e depois rodar uma manivela pra frente e pra trás. Aquilo me dava nos nervos. No dia seguinte, desisti da tal maquina e fazia os cálculos com um lápis numa folha de papel.

Nem notei que o Natal daquele ano havia chegado tão rápido. Também trabalhava durante o dia e a noite estudava. Deste modo o tempo passou mais rápido.

Não existia o 13º salário. Isso só veio muitos anos depois. Mas eu já tinha uma conta onde depositava uma pequena quantia mensalmente. Saquei quase todo o dinheiro e fui comprar um presente de Natal para minha mãe. Devia ter entrado em uma loja de tecido e escolhido um pano para ela fazer um vestido novo. Mas não. Quis logo comprar algo que impressionasse. Entrei numa loja onde tinha objetos de louças finas. Enquanto escolhia, esbarrei numa lida e delicada jarra com desenhos dourados em relevo. Fiquei pasmo. A linda jarra estava partida em vários pedaços a meus pés. Acabei pagando o prejuízo e o pouco do dinheiro que sobrou só deu para eu comprar uma caixa de chocolates como presente para minha mãe.

Depois ela ficou sabendo por uma amiga que assistiu o fiasco da jarra que quebrei. Quando cheguei em casa ela disse que aqueles eram os chocolates mais deliciosos que já tinha saboreado em sua vida e me cobriu de beijos.

De lá pra cá os anos só passaram em minha vida e me vem a saudade de minha infância, dos dias que eu acordava e era amorosamente acolhido pelos braços de minha mãe.

Carlos Neves
Enviado por Carlos Neves em 27/10/2008
Reeditado em 27/10/2008
Código do texto: T1250057
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