A LONGA ESPERA PELO SEMEADOR DAS PALAVRAS

Durante trinta dias a espera tomou conta do meu espírito. Por muitos anos mostrei aos meus alunos, a sua importância na Literatura Brasileira e Mundial. Agora ele viria á minha cidade para um bate-papo sobre: ”A minha profissão é a de pensar, mas nem sempre penso certo”.

A véspera do encontro me deixou excitada! Avisei a família que não iria fazer o almoço no dia seguinte. _Como? Não vai ter almoço?

_ Não!Vou à biblioteca, me interar dos pensamentos de um escritor brasileiro, que muito admiro.

Então, ouvi o meu marido dizer ao meu filho: _Algumas noites, suas saídas envolvem o teatro, outras, aos saraus literários. Mas, agora, logo de manhã, ai, ai, ai...! É essa tal da poesia! Assim, não dá!

Bem! Lá estava eu, sentada na primeira fila, uma hora e dezenas de minutos, antes da hora marcada.

Li e reli a bibliografia, poemas e textos do convidado, tão meus conhecidos e interagidos. Eis, que ele surge! Passos firmes, olhar um pouco vago. Parecia cansado. Sua silhueta esguia, como eu já o havia visto nas fotos, nas reportagens, nos livros, jornais, sites e na própria televisão.

Lembro de algo que li para os alunos em que “ele” dizia:

"Evidentemente, não existe uma sistemática, mas, em termos gerais, o poema, em mim, nasce de um fato qualquer que me tira o equilíbrio. Eu costumo dizer que é o ‘espanto’ a que se referia Platão: o conhecimento nasce do espanto. É um pouco isso: algo que não precisa ser nem fantástico, uma coisa qualquer. No meu último livro existe um poema que se chama ‘O cheiro da tangerina’. Eu estava na sala, um filho meu descascando tangerina; de repente, aquele cheiro que eu já havia sentido ao longo da vida, desde menino, me rompeu o equilíbrio, me tocou como uma descoberta: eu, na verdade, nunca tinha sentido de fato o cheiro de uma tangerina. Esse estado que eu fiquei, por uma fração de segundo, fica reclamando de mim a expressão. O que significa esse cheiro, como falar disso? Sinto que descobri algo, mas não sei o que é que eu descobri. Eu me nego a fazer uma literatura abstrata, com especulações, com aquela coisa palavrosa, destituída, desligada desse núcleo vivenciado que deu origem ao poema. Qualquer coisa que vá nascer ali tem de estar ligada àquele momento original”(...)

Bem! Suas palavras se fundiam nas minhas lembranças, com os rostos dos alunos, a maioria deles; indiferentes, sonolentos, pouco a vontade em ouvir palavras, tão repletas de significados!

Ali estava ele! A imagem da poesia, atrelada a toda a sua história pessoal, tão significativa, entrelaçada por certo período da sua vida, com a conturbada história brasileira da ditadura militar.

Apenas trinta pessoas se chegam para ouvi-lo. Seria um dos males da era da multimídia, ou, o horário fora de propósito para a maioria da população? E, o exercício de chegar até ali, mostrou ao “Poeta-Jornalista”, a sua importância de estar acima dos interesses pessoais de cada um, que estava no local para ouvi-lo. E, como valeu à pena! Senti que a maioria presente saiu do embotamento, ou das buscas infindáveis, para apreciar as suas idéias.

E ele falou:

“Eu não tenho nada contra religião, eu só não acredito. Religião é uma coisa importantíssima, sem ela a humanidade não existiria. A civilização nasce com a religião. A religião cria os primeiros valores, comportamentos; em função da religião construíram-se catedrais formidáveis, música, pinturas e poesia. Porque o homem se sentindo rato não constrói catedral. Ele tem que se sentir filho de Deus, ou alguma coisa grande, se não ele não constrói. O homem tem que ter alguma dignidade, uma grandeza, uma coisa qualquer; e se ele se julga filho de Deus, ele tem uma grandeza.

O homem inventou tudo, até Deus. E porque inventou Deus, o homem criou coisas maravilhosas. As grandes catedrais, a música, a pintura. Deus deu grandeza ao homem. Se o homem se considerasse simplesmente um bicho ele não construiria Chartres. Essa grandeza foi também a da revolução, a da crença na justiça. Eu acho que uma das razões da decadência da arte contemporânea é a perda desta grandeza. Sou ateu, mas prefiro um religioso a um cretino cujo único objetivo é consumir. O homem aspira à transcendência. Cada dia estou mais perplexo. O universo é tão incompreensível. Uma vida é pouca para entender. Eu queria mais.”

As pessoas ouviam e ouviam e não se cansavam! O que ele nos falou sobre a vida recebeu aplausos e nos deixou pensativos!

“A vida é inventada porque vivemos no mundo dos valores, da cultura. Quem vive no mato é jacaré, o homem vive na cidade, que é uma invenção gigantesca da complexidade humana. Por isso o nosso mundo é inventado. Quando o tigre nasce ele tem ferramentas para sobreviver; tem o alimento na selva, tem velocidade, tem garras. O homem não, por isso ele inventa recursos, assim fez quando criou a faca, a roda, o avião. Falam que Shakespeare descobriu a complexidade da alma humana, mas ele não descobriu nada, ele a inventou. O sentido da vida esta nos olhos, nos outros, porque as coisas vão acabar. Às vezes quando eu brigo com a minha mulher, a Claudia, eu fico com a razão de um lado e ela com a razão do outro, aí ela pega a bolsa, e vai embora, brava. Desta forma eu fico lá com a minha razão e sozinho. O que adianta? “Eu não quero ter razão eu quero ser feliz.” Às Vezes eu até peço desculpas sem estar errado só para ficar em paz.

O Poeta, ainda nos levou pelos caminhos do pensamento sobre a escrita, sobre a poesia, e das suas experiências profissionais. Quando demos conta, o relógio da matriz tocou no seu carrilhão; meio dia. O interlocutor, um senhor de barba muito simpático, chamou a sua atenção, quanto ao horário. Os participantes, não estavam a fim de ir embora. Queriam ouvi-lo mais! Mas, o Poeta iria fazer um programa de rádio, e ainda ir á uma cidade próxima para trabalhar o mesmo tema. Assim, ele foi se despedindo sob calorosos e esfuziantes aplausos.

Eu fiquei por lá, esperando o seu autógrafo, muito concorrido, por sinal, e, também, para tirar uma foto ao seu lado, desta maneira, um dia poder, recordar desta data, tão importante para a cultura de Piracicaba. Cheguei de mansinho na Lucila, a diretora da Biblioteca Municipal, perguntei se poderia ir almoçar junto com eles, para ficar vivenciando, mais alguns preciosos minutos da companhia do Poeta.

A caminho do restaurante, situado a três quarteirões da biblioteca, um senhor abrindo os braços para o Poeta, saiu com essa pérola:

_Parabéns! Caro Poeta sou seu fã. Adoro as suas poesias, adoro o que você escreve. Você é ótimo!

Coloca então sua mão no ombro de Ferreira e diz:

_Mas, pensando bem, depois de Vinicius, está você!_ o desconhecido, continua...

_Adoro você, seu trabalho, suas poesias, adoro o que você escreve! _ e, sem se dar conta do absurdo que falava!

_ Depois de Monteiro Lobato...!

O almoço em uma churrascaria da cidade, neste dia, contou com a presença, de mais duas amigas, felizes, por ouvir um pouco mais, José Ribamar Ferreira.

Uma hora da tarde despedimos de Ribamar. Ouvimos dizer, que iriam ficar sentados esperando o motorista, no interior do restaurante.

Voltamos para a biblioteca para assinar o livro para um próximo encontro literário. Eis, que na saída demos de cara, com o motorista aturdido por não ter encontrado o José, na frente do restaurante. Essa foi uma oportunidade de ouro para retornarmos ao local.

Quando chegamos a Rua Santo Antônio, ao lado da Praça José Bonifácio, no centro da minha cidade, uma situação incomum estava ocorrendo! O Poeta estava sentado na escada da Caixa Econômica, junto aos colegas esperando a tal da condução.

E recordando, “Samba da Bênção”, de Baden Powell, composto junto, com o poeta, Vinicius de Moraes, conclamo, entre aplausos:

_A bênção,José Ribamar Ferreira Gullar.

Não és um só, és tantos como

O meu Brasil de todos os santos

Inclusive meu São Sebastião

Saravá!

A bênção, que eu vou partir

Eu vou ter que dizer adeus.