COMPANHEIRA NON GRATAE

Ele descreve detalhadamente como ela chegou. Tudo aconteceu depois de uma festa. Uma noite agitada, um local aberto, com muito vento, muita bebida e muito som. Nem mesmo o blasé e o whisky continham o frio.

Já era madrugada quando adentrou no apartamento. Sóbrio, com muito sono, percebeu que tinha companhia. Foi ao banheiro e ela ali, calada, deixando –o incomodado. Não deu muita atenção, estava sem condição de qualquer atitude, de qualquer ação, queria ficar sozinho. Jogou-se na cama com uma enorme vontade de dormir, dormir, dormir para dar um basta na ressaca. Mas a presença dela deixava-o desconfortável. Finalmente o sono venceu.

Ao despertar, sentiu novamente a sua presença. Graças a Deus ela não falava, mas mesmo calada, guardando silêncio trazia um mal estar. Com muito sacrifício levantou-se para trabalhar. Apesar da mesa farta ela consumia seu apetite. Saiu em jejum.

Na certeza de que essa companhia não sairia de seu pé gratuitamente, na volta do trabalho resolveu comprar algo na tentativa de que surgisse algum efeito e ela lhe deixasse em paz. Foi ao shopping, encheu a sacola disso, daquilo e daquilo outro. Não sabia se estava fazendo a compra certa mas era uma tentativa de fazê –la ir embora. Que nada, permaneceu!

Era uma coisa irritante. Seu corpo ardia, a cabeça doía, não era mais ressaca, era a presença dela. Um dia, dois, três e ela ali. Sentia-se fraco pelas noites mal dormidas e pela falta de apetite, mesmo assim não perdeu um dia de trabalho, ficar em casa era pior. Envolvido com os afazeres às vezes esquecia da companhia non grata que arranjara inesperadamente.

Estava chegando sexta-feira. Não suportaria passar outro final de semana cruel, desconfortável, perseguido, aquela coisa pegajosa lhe era tão prejudicial não poderia mais permanecer na sua vida. Enfim, resolveu ter coragem, dar um basta.

Saiu do trabalho já escurecendo. Adentrou no carro e percorreu alguns quilômetros. Não percebia nem mesmo a beleza da cidade, os transeuntes, as árvores da bela praça que estavam à sua direita, nem as lindas estudantes que lhe jogavam charme enquanto parado no sinal. Queria mesmo era chegar ao seu destino, tomar providências, tirar de seu caminho a coisa indesejável.

Finalmente chegou. Estacionou o carro, entrou no prédio, dirigiu-se a uma jovem moça, que se encontrava sentada em frente a uma escrivaninha, ladeada de papéis, agenda e telefones. Dirigiu – lhe a palavra.

- Tenho hora marcada.

- Pois não, pode entrar, está na sua vez.

Sem mesmo cumprimentar a pessoa que estava a sua espera foi logo dizendo de forma desesperada.

Doutor, por favor, me passe um remédio para essa gripe insuportável que não quer me largar. Já a desprezei, já a ignorei, já tomei vários remédios e ela não sai de meu pé. Quero o desquite, quero o divórcio, mas tire essa companhia non gratae da minha vida, doutor, por favor!

Maria Dilma Ponte de Brito
Enviado por Maria Dilma Ponte de Brito em 05/11/2008
Reeditado em 11/05/2020
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