Poetas são apenas poetas...

Assim que postei a crônica "Mister M dos Poetas" (T793771, de 27/12/2007), recebi o comentário que transcrevo abaixo e que fui obrigado a excluir, pois não podia deixar que outras pessoas julgassem que eu, como poeta, fazia versos com a intenção deliberada de seduzir ou iludir alguma leitora. Transcrevo também alguns tópicos da minha resposta, pois quase um ano depois, percebo que o assunto pode me render leituras duplas: neste texto e em "Mister M dos poetas". Menos mal, não é mesmo?

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"Interessante seu senso de humor. Mas vou te falar será uma desgraça se alguém tentar se apaixonar ou se iludir com algum poema aqui, ou melhor pelo suposto autor."

Enviado por (omitido) em 27/12/2007 16:58

para o texto: Mister M dos Poetas (T793771)

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1. A Arte Literária não tem compromisso com a verdade nem com a verossimilhança; quem deseja isso, deve procurar em jornais ou revistas, biografias confiáveis, etc., não em Literatura.

2. O poeta é um autor literário que exprime a sua emoção em linhas partidas, chamadas versos. Apenas isso. Não é um semideus, nem faz versos para apaixonar ou desapaixonar alguém.

3. A inspiração do poeta é totalmente subjetiva e ela não se exerce em favor de terceiros, mas sim em favor de sua emoção, que real ou fantasiosa, momentânea ou duradoura, deflagrada por motivo trivial ou dramático, tanto exprime alegria, dor, inquietação, questionamentos íntimos, quanto pode não significar nada de especial. Apenas emoção. Para pintar um quadro, um pintor precisa de uma idéia; para fazer um poema, o poeta precisa de uma emoção que, canalizada por sua inspiração, se traduz em versos.

4. Professor de Literatura há mais de 30 anos, aconselho-a a comparar as obras poéticas dos grandes autores com as suas vidas pessoais. E espantar-se-á com a enorme discrepância. Só um exemplo: Álvares de Azevedo, o jovem poeta da 2a. Geração Romântica - a do "Mal do Século" - nunca teve sequer uma namorada; não obstante, fazia versos ardentes para "a virgem dos seus sonhos e dos seus desejos". O eu-ficcional, o eu-lírico do autor é uma coisa, sua pessoa física é outra.

5. O homem é o homem, o poeta ou escritor, numa obra de ficção, é outra coisa. Nélson Rodrigues, o escritor maldito, que habitualmente escrevia sobre taras e incestos, criador de personagens masculinos que se celebrizaram com a frase "Mulher gosta de apanhar", era um maridão pacato e exemplar, pai zeloso de duas filhas. A minha inspiração vem sempre da minha emoção: de um fato do meu passado que, de repente, pode aflorar à superfície do meu túnel emocional; de um filme a que assisto, de um livro ou de uma frase que leio e que mexem com a minha emotividade; por fim, pode expressar o meu próprio momento: se estou romântico, faço um texto romântico, se estou nostálgico, faço um texto nostálgico e, se estou alegre, faço um texto de humor e por aí assim. Esse é o meu eu-ficcional, que muitos dizem ser o de um poeta romântico e eternamente apaixonado, mas que não se confunde com a minha pessoa física, que pode ser diametralmente oposta.

6. Mas, concordo que realmente pode ser uma desgraça alguém apaixonar-se por um autor, simplesmente por causa de um poema encantador. Tomam o autor pela obra - uma nefasta metonímia pessoal - e podem experimentar dissabores, não por causa do poema ou do poeta, mas pura e simplesmente por confundirem arte com realidade. No entanto, embora seja lamentável essa situação, não deixa de se constituir um dos maiores elogios a um poeta: fica evidente que a sua poesia foi tão inspirada que despertou paixões!

Santiago Cabral
Enviado por Santiago Cabral em 08/11/2008
Reeditado em 15/01/2009
Código do texto: T1273126
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