Carnavais

Acreditamos que os povos se manifestam por meio de carnavais desde a antiguidade.

Podemos dizer que, naqueles tempos, os carnavais eram as festas em honra aos deuses: as bacanais, em honra a Baco, deus do vinho, as saturnais, a Saturno e as Lupercais, ao deus Pã. E, ainda, que o Quarup é um dos carnavais de nossos índios.

A matriz dos carnavais, provavelmente, encontra-se nas cerimônias realizadas pelas comunidades mais antigas nos períodos de plantio e de colheita.

Segundo remotas tradições, as comunidades deviam dançar, brincar e festejar muito, para que a fecundidade do solo transformasse as sementes em bons e saborosos frutos.

Um tempo de euforia antecedia outro de resignação. Um, breve mas intenso, representando a fertilidade. Outro, longo e metódico, representando a gestação.

Por que os homens continuam a realizar carnavais?

O que leva milhões de brasileiros a inverterem o cotidiano, a abandonarem suas casas e a juntarem-se à massa nas ruas?

Na origem dos carnavais, uma resposta razoável: nosso enigma e nossa luta entre o “permanecer” - continuarmos semente - e o “mudar” - lançarmos-nos à fertilidade do solo, transformando-nos em árvores para dar frutos.

Na realização dos carnavais, a inversão do cotidiano vem acompanhada da idéia e do sentimento de mudança ou de renascimento.

Quando Agostinho dos Santos cantava: “.... de rei, de pirata ou jardineira,/ pra tudo se acabar na quarta-feira....”; quando Nara Leão cantava: “Acabou-se nosso carnaval,/ não se ouve mais cantar canções....”; quando Chico Buarque canta: “Carnaval, desengano,/ deixei a dor em casa me esperando....”; cremos que são versos da relação da realidade do cotidiano com o sonho dos dias de folia.

Alguns psicólogos afirmam que se não sonhássemos, nossas personalidades morreriam, pois os sonhos funcionam para a psique assim como a água e os alimentos, para o corpo.

Quem sabe o nosso carnaval não é um sonho coletivo e anual indispensável para a psique das comunidades?

Como sobreviver numa sociedade centralizada, hierarquizada, que impede uma minoria educada, treinada, alimentada e empregada de participar e que aumenta o “bloco dos sem” (sem terra, sem teto, emprego, segurança, formação, saúde, esperança ...) a cada carnaval?

Como sobreviver numa sociedade onde uma ínfima minoria de exploradores, “ratos”, “gatos” e cínicos, no topo da pirâmide hierárquica, decide sobre nossa exclusão e nossos destinos?

Só com muitos carnavais, sonhos e muita fantasia....

Será que os carnavais persistem, porque a tradição grega perpetuou-se e dançamos, brincamos e fingimos por intervenção do deus Dionísio?

Continuam os carnavais, porque precisamos nos religar a cidade.

Na folia invertemos a “ordem” estabelecida, segundo a qual as ruas e até as calçadas pertencem aos automóveis. Andamos, comemos, bebemos, brincamos, rimos, dançamos, cantamos e encenamos nas mesmas avenidas e ruas que nos agridem e nos consomem diariamente.

Persistirão os carnavais pois, por meio deles, vivenciamos e experimentamos a liberdade, a participação, a expressão da individualidade e sobretudo a igualdade. Semeamos no solo árido da realidade a utopia das comunidades.

Permanecerão os carnavais porque, quando “carnavalizamos", estamos virando o mundo do avesso:

a “loura barbuda” transforma o masculino em feminino ou expressa o feminino do masculino;

o “velho de fralda e chupeta” transforma o velho no novo, ou expressa e afirma que o novo e a criança nos acompanham eternamente;

o homem fantasiado de “morte” transforma-a em vida;

o “corpo jovem e escultural com máscara de orangotango” e o “pra baixo homem e pra cima mulher” expõem a ambigüidade sem os melindres do puritanismo do nosso cotidiano;

o homem corpulento e peludo fantasiado de “anjo” transforma o profano do cotidiano no sagrado dos carnavais...

Apesar de o nosso esforço para justificar as razões dos carnavais, persiste, ainda, mais uma indagação: “por que os povos, geradores da matriz dos carnavais e que não viveram na desarmonia do caos urbano e social dos nossos dias, precisaram carnavalizar nos períodos de plantio ou de colheita”?

Cremos que, apesar daqueles povos da antiguidade estarem ligados à cidade e à natureza, buscavam religar-se com o sagrado no interior dos homens. Almejavam religar-se a Deus.

“Folias de Momo” são nossas rimas de saudações aos carnavais que conseguem, como num passe de mágica, acrescentar ao nosso papel de espectador o de ator. Durante a folia, encenamos uma sociedade “faz de conta”.O povo torna-se ator e espectador de si mesmo.

“Folias de Momo” são nossas rimas, na torcida para que o estado e a indústria cultural não padronizem os nossos carnavais, utilizando como modelo os “desfiles de escolas de samba”.

“Folias de Momo” são nossas rimas, na torcida para que as forças dos nossos carnavais regionais, principalmente os de rua, mantenham a pluralidade e a diversidade do carnaval brasileiro.

Mas, por que de tanta torcida? Porque a tendência dos desfiles das escolas de samba é tornarem-se, pela padronização e uniformização, muito semelhantes às paradas militares e as procissões.

Xô agourentos...!

Folias de Momo

O sonho sequestra a realidade,

chuvas de emoções

com ventos de ilusões

inundam a grande cidade.

Quedas de barreiras dos corações

impedem o tráfego da tristeza.

Todos os cantos cantam canções

e o povo abraça a incerteza..

A cidade é tomada

por “exército de foliões”,

de confete são as batalhas

e as armas, de ilusões.

O rei se curva à jardineira,

o marujo aborda a romana,

o índio acerta a pistoleira

e o”bebê” canta a baiana.

O pirata, a odalisca,

a colombina e o pierrô

portam da paz a bandeira

e fazem evoluções de amor,

portam da paz a bandeira

e fazem evoluções de amor.

Folias, folias, folias de Momo,

a alegria dança a igualdade.

semente da feliz cidade

no solo seco da realidade.

De Momo, de Momo são as folias,

a alegria desabriga a dor,

a ordem é “fazer de contas”,

é tempo de sonhos e amor.

A ordem é “fazer de contas”,

é tempo de sonhos e amor;

a ordem é “fazer de contas”,

é tempo de sonhos e amor.

J Coelho
Enviado por J Coelho em 09/11/2008
Reeditado em 24/06/2021
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