Avante, Homens-Médios!

E disse Freud: “uma civilização que deixa insatisfeito um número tão grande de seus participantes não tem nem merece a perspectiva de uma existência duradoura”.

O espírito desbravador e otimista com relação à humanidade, no futuro da sociedade, que se edificou ao longo dos últimos quatro séculos e que, como disse Arendt "foi uma opinião bastante comum entre os hommes de letters no século XVIII, e então veio a ser um dogma quase universalmente aceito no século XIX", já foi por água a baixo. Ou melhor, já caiu por terra. A minha geração, em especial, sequer conseguiria compreender como foi possível ter havido regozijo na espectativa do futuro. A idéia de que o completo caos nos aguarda daqui a alguns passos é tão disseminada e consistente que nos parece uma ingenuidade demasiada infantil supor que o avanço tecnológico nos abarcaria – homem e sociedade – para a prosperidade plena.

Vivemos a era do pessimismo. Respiramos o ar pesado de um eminente fim - sabe lá de quê especificamente. Nos movemos apressados e limitados sob as grossas correntes do, numa expressão, mal-estar civilizatório. E, mais uma vez, Freud: “ficamos inclinados a dizer que a intenção de que o homem seja feliz não se acha incluída no plano da Criação”.

A felicidade, bem imaginário, dança solta e perdida no fundo abismo que separa a realidade do princípio ilusório do prazer pleno. Trata-se sim de um contrato informal, embora muito bem acamado: a sociedade nos promete o prazer, mas impõe limites, restringe, para sua própria existência, o alcance dele. O que se faz, então, é imaginá-lo, desenhá-lo e redesenhá-lo. Criar, neste abafado e apertado mundo de possibilidades, a ilusão de que ele é tocável e conquistável. Inventar opções de gozo e satisfação que nos estejam à altura dos membros. Sem grande esforço. À altura da mão. Melhor: na ponta dos dedos. Que seria da felicidade nossa não fosse o controle remoto?!

E nos aparece, pois, uma dicotomia fundamental. Um paradoxo curioso que dá sustento a toda a sociedade: o prazer, a felicidade, é o bem principal de uma busca (ou é a própria busca) individual – que, logo, transformamos em individualista – ao mesmo passo que é impossível tocá-la sozinho. Um exemplo rápido: o que seria do prazer de assistir o Big Brother sem a conversa sobre ele com os colegas e os vizinhos? E pior, já ouvi algumas vezes de algumas pessoas que a justificativa de assistir o programa é não ficar de fora das rodinhas de bate-papo. E, então, a cousa fica mais bizarra: o indivíduo não molda suas relações a partir dos gostos próprios, mas ao contrário!

Próprios? Gostos próprios? – algo em mim gargalha.

E, agora então, Nietzsche: “Reduzir algo desconhecido a algo familiar alivia, tranquiliza, apazigua, além disso dá sensação de poder”.

É latente a necessidade de se escorar em algo socialmente aceito. Abrir os braços e tocar outros em similar situação. Por isso, talvez, se goste tanto de filas. A existência é um fardo! É uma busca que, na sociedade, não é só de ‘si mesmo’. É uma busca de si nos demais - mesmo (e fundamentalmente) que os demais sejam, em alguns momentos, os 'outros': não há Eu sem Ele, não há Nós sem Eles.

O prazer só é prazer se socialmente acolhido (não há contradição nos feitiches: é a coroa da mesma moeda). Vive-se tacteando às escuras, no breu da realidade em busca da luz da felicidade: que brilha nos outros. Os demais são velas no túnel escuro. Sente-se medo. Pavor. Pânico de ser completamente diferente. Sem exceção. Alguns se amontoam sob o pretexto da diferença. Ninguém é capaz de dizer abertamente, de berrar com o ar que vem do diafragma quão miserável é estatelar-se fronte à tv pra consumir um Big Brother desses se não tiver a certeza que seu rouco grito encontrará eco em outras vozes igualmente roucas. E eis que surge o protótipo dos que, em mote, se opõem ao padrão. Aquele que, por algum desvio do destino, sentiu-se a parte dos modelos - sobretudo dos estimulados com maior entusiasmo pela Grande Mídia -, logo dá um jeito de encontrar outros mais com quem algo semelhante ocorreu para, então, reclinar-se e sentir-se satisfeito. O que há de inquietante nisso é que, muitas vezes, o discurso é o de crítica à padronização quando, mal reparou o ser medíocre, ele faz parte de uma - logo, com um novo mercado midiático respectivo.

Viver em sociedade é viver em desprazer. Mas esse não-prazer é ludibriado pelo medo de não ser social. Assim, acredita-se ser feliz pelo fato de se pensar no isolamento e conjeturá-lo como uma pior hipótese.

A rotina, o senso comum, o usual nos embebeda. Ébrios, com sorriso pateta a enfeitar a boca, cambaleamos com pernas trocadas por ruas esburacadas. Mas na embriaguez, a impressão que se tem é a do equilibrio.

Sentemos nossas bundas numa reunião de ‘comedores compulsivos’! Ouçamos que o problema do outro é o nosso. E vice-e-versa. Ah.... que alívio! Levemos nossas mulheres para os clubes de swing! Vejamos nos talk shows fofoqueiros que todos têm problemas familiares!...

Avante, homens-médios, a felicidade vos espera!

E, por fim, voltemos a Kant: “A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma tão grande parte dos homens continuem de bom grado menores durante a vida. São também as causas que explicam porque é tão fácil que os outros se constituam em tutores deles. É tão cômodo ser menor.....”

Diogo Nunes
Enviado por Diogo Nunes em 13/11/2008
Reeditado em 06/03/2010
Código do texto: T1281256
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.