O anel esquecido

                       Ah, sou um homem suscetivel, 
                      de violentas nostalgias.
                                        Nelson Rodrigues


     1. Dezembro está chegando, e com ele as formaturas. Aproveito este momento para falar um pouquinho sobre o anel de doutor, hoje praticamente esquecido. Uma pena! 
     Os Orientais, de respeitável cultura, em tempos pretéritos, aconselhavam o seu uso como uma forma de "atrair energía positiva garatindo assim, reconhecimento profissional e prestígio".

     2. Durante muito tempo, o anel foi a principal identidade, diria externa, do formado. O diploma, posto com cuidado e carinho numa moldura de luxo, ficava em casa, pendurado na parede. O anel, não, o anel saía pra rua, no dedão do novo doutor.
     
3. No dia seguinte à colação do grau, o recém-formado queria exibi-lo, fosse como fosse. E o fazia com indisfarçável orgulho e incontrolável alegria. Mostrá-lo, significava uma ostensiva demonstração de fé na profissão que escolhera.
     4. Alguns, ao exibi-lo, deixavam transparecer uma pontinha de vaidade. E daí? Para muitos, o anel fora conquistado com inenarráveis sacrifícios. Justificava-se, assim, a vaidade do formando, mostrando-o a deus e o mundo.
     
5. Vamos recordar. Tudo começava com o rigoroso vestibular. Quem estudava pra valer, ingressava, sem problemas, na Universidade.  O vestibular de ontem - diferente do que é feito hoje - não permitia "chutar".
     
6. Aprovado no vestibular, o estudante passava a frequentar uma Universidade bem estruturada, com cursos definidos e prazos para terminarem: Direito, em cinco anos; Medicina, em seis anos; Odontologia, em quatro anos, Engenharia, cinco anos, etc. etc., etc. Com tudo mui bem organizado, o universitário, salvo possíveis acidentes de percurso, podia programar, com segurança e antecedência, a festa de sua formatura.  
Enquanto os pais iam providenciando a  roupa da noite da colação de grau do filho querido ou da filhota amada.

     7. O momento da entrega do anel e do diploma era comovente. Palmas e lágrimas e não  ensurdecedores "apitassos" ou "apitaços"  e desenfreada gritaria, como acontece nas formaturas d'agora. O que é lastimável.
     8. Quando eu terminava meu curso de Direito (idos de 1961), num fim de noite, fui visitar um colega de turma que morava numa república de estudante.  Para minha surpresa, encontrei  o jovem amigo vestido num pijama surrado, pronto para dormir, e, no dedo, seu anel de formatura! 
     
9. Interpelei-o - ainda faltava mais de um mês para a solenidade de colação de grau -, e ele justificou, dizendo: - "Rapaz, este anel eu comprei com a pequena mesada que eu recebia de casa. Por misso, quero curti-lo, até dormindo..."
     
10. Achei que não era o momento de atingir o amigo com qualquer tipo de gozação. Dei-lhe um forte abraço e me despedi. Volvido mais de meio século daquele encontro, o nobre colega ainda desfila mostrando, no seu anular, seu discreto anel de doutor. 
     11. O anel de formatura, como disse,  está praticamente esquecido. Ninguém mais fala nele. Ignora-se seu simbolismo e sua importância, como disseram nossos irmãos orientais, há milênios.  Usá-lo, hoje, é, segundo se diz por aí, uma inominável cafonice.
E eu pergunto: será? Ou ele, de repente, pode causar constrangimentos aos doutores modernos?
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Nota - A foto é de dezembro de 1961, quando me formei em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Foi Paraninfo o Criminalista baiano Raul Chaves, professor titular da Cadeira de  Direito Penal.























     

Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 14/11/2008
Reeditado em 23/09/2019
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