DOMINGO PASSADO EU SAÍ DE CASA...
Domingo foi um dia atípico para mim. Desde o seu amanhecer, a minha rotina foi alterada para melhor – isso na parte da manhã. Como não sou de sair de casa aos domingos – às vezes, apenas para comprar o jornal –, neste eu fui cumprir a minha obrigação para com o Senhor, lá no Seminário Santa Terezinha, participando da Vigília da Liturgia, no Encontro de Casais com Cristo, promovido pela Paróquia de São João.

Por muitos anos, eu participei dos três dias de encontro, trabalhando nas diversas equipes, para a formação de novos casais. Ultimamente, por motivos profissionais, tenho estado afastado desse compromisso, o que não me tira o dever de comparecer, num determinado momento do encontro, para orar por aqueles que estão trabalhando e, principalmente, por aqueles que estão vivenciando, pela primeira vez, o contato com o Mestre através de seus ensinamentos.

O resto do dia transcorreu como a rotina dos últimos anos: assistir televisão, ler o jornal, pesquisar e arrumar material para as atividades da semana – aulas normais e formações –, cochilar após o almoço, acordar e ir pegar o violão para afiná-lo na vã esperança de fazer alguns acordes desengonçados de quem só sabe o básico mesmo; enfim, tudo isso veio por água abaixo quando me sentei com o diapasão entre os lábios e já ia assoprá-lo.

“- Hoje à noite, vai vir a turma de Pedro trazendo duas colegas européias, que estão fazendo intercâmbio cultural aqui em Mossoró”, me comunicou a digníssima cônjuge.

Pronto! Mudança total de rotina. Sabe como são os adolescentes. Para começar, você, de cara, já perdeu o espaço que lhe é destinado – que não é lá muita coisa, talvez um metro quadrado apenas – e adeus TV, computador (a primeira coisa colocada como prioridade absoluta para eles – até hoje eu não sei como esses jovens conseguem falar com cinco pessoas ao mesmo tempo no Messenger e, no celular, em conferência com mais quatro e, ainda por cima, conversarem entre si na bancada do micro.

Tomei uma decisão radical: resolvi sair de casa. Tomei um banho, troquei a velha bermuda por calça e camisa apresentáveis, tirei o carro da garagem e, sem avisar ao amigo Mário, fui parar em sua porta.

O papo com o amigo jornalista é sempre uma viagem. Nesse encontro, a tônica girou em torno do lançamento do seu livro “A Morte do Pescador”, que será dia 21 deste. Prolixo nos detalhes, Mário me mostrou, pelo ângulo filosófico, a temática de sua obra. O colóquio perdurou por mais de duas horas, só sendo interrompido por que o mesmo ia – assim como fiz pela manhã – prestar sua devoção ao Pai Eterno.

Como ainda estava cedo – e sabedor que, se voltasse aquele horário para casa, ia encontrar a trupe todinha em algazarras e, não querendo interrompê-los com a minha quase insignificante presença, resolvi andar um pouco pela cidade. Do bairro onde me encontrava – Santo Antonio – eu desfilei por ruas desertas e estabelecimentos comerciais fechados. Dei uma volta completa em torno dos seus bairros. Nada aberto.

Nem mesmo os tradicionais bares de finais de noite, da “saídeira”, estavam abertos.

Renitente, fui ao Alto de São Manoel, depois a Ilha de Santa Luzia, passei pela Doze Anos, visitei o Memorial da Resistência (vazio – apenas eu e o guarda que o “pastorava”) e fui parar no Alto da Conceição. Lá encontrei uma churrascaria aberta, meia dúzia de sonolentos freqüentadores, um cantor da noite – por sinal muito bom –que se esforçava para tirar da platéia o estímulo para uma nova melodia, mas que se mostrava infrutífera a tentativa, apesar do repertório ser de primeira. Fiquei alguns minutos ouvindo-o. Desisti de ficar por lá quando presenciei que, em uma das mesas, um casal discutia seu relacionamento abertamente. Quando entrei no carro, ainda ouvi o início de “Codinome Beija-Flor” de Cazuza.

De lá fui parar no Aeroporto, no restaurante ao lado. Como estava sem fome, pedi apenas um refrigerante, sendo indagado pelo garçom se eu queria mais alguma coisa. Diante da negativa, ele olhou-me surpreso: talvez não concebesse que alguém iria parar num restaurante apenas para tomar um refrigerante. Tomei dois. Enquanto sorvia, em doses homeopáticas, o líquido da garrafa, eu, finalmente, me dei conta de uma coisa – despercebida até então, por mim ou pela falta de sair nos finais de semana: ou já não existem mais boêmios ou a crise está mudando hábitos ou – e eu acho que é a alternativa correta – a noite está se tornando perigosa para os amantes de um bate-papo em mesas de bares. Falta segurança.

Olhei o relógio. Estava na hora. Voltei. Encontrei, na minha chegada, bolas de encher na área de entrada. Apenas uma recepção para os que vieram mudar minha rotina naquele domingo.


 


Obs. Imagem da internet (praça Rodolfo Fernandes em Mossoró/RN)
Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 16/11/2008
Reeditado em 05/12/2011
Código do texto: T1286359
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