Trilha - Ida...

Quando fui dormir ontem soube que ainda tinha dois pés porque olhava e via. Se dependesse de outros sentidos, meu corpo acabaria nas panturrilhas, até lá chegava a doer.

Acordei às 5h00 pra sair às 6h20. Acabamos saindo às 7h30. Tudo bem, às 9h00 entrávamos no mato. Espírito de aventura, uma cachoeira esperando você, rapel programado pra volta, tudo maravilhoso. Nunca estive no meio do mato assim, um dia inteiro, subindo e descendo, atravessando rio, veja quanta coisa iria aprender!

Uma das primeiras coisas que você aprende é a comunicação com os seus colegas de trilha. No começo é uma falação só. A conversa diminui progressivamente na primeira descida. E fiquei sozinha com meus pensamentos: "Por que ninguém nunca pensou em colocar um corrimão nessas descidas? Facilitaria muito..."

De vez em quando uns gritos básicos, uns "ai", uns "Oh droga!". Mas existem outros. Quando um dos seus colegas disser "Ai meu Deus" ou "Nossa Mãe" ou "Jesus!", ele está passando por dificuldades, se puder ajude, pra cair junto nem encoste, apenas reze por ele. Quando um dos seus colegas, dos que está na frente, soltar um "Me fudi" após ver algo que você ainda não viu é um excelente momento para praticar a solidariedade e a aceitação.

Seja solidário e diga para ele: "Você não está sozinho nisso, nos fudemos". É tão bom saber que não se está sozinho num momento ruim! E importantíssimo: aceite que você se fudeu, triplique a atenção e a força nos músculos. Os que se recusam a aceitar a realidade, invariavelmente saem com hematomas e escoriações, é o preço pela rebeldia.

Saimos da descida bizarra, entrei de novo nos pensamentos. Não encontrei diferença em momentos ditos "de fuder". Você se formar, estar em casa na maresia, ser promovido, seu time de futebol ganhar, seu cachorro ficar bom, você dar um beijo na pessoa que era louco pra fazer isso há um tempão e nem imaginava que pudesse um dia acontecer, a sobrinha de sua amiga jogar seu relógio no chão, você estar na beira de um desfiladeiro e um passo errado fazer você chegar mais rápido (não necessariamente vivo) que os outros trilheiros no rio, são todos momentos de fuder. Não existe "de fuder +" e "de fuder -". São todos momentos maravilhosos!

Agora se o pessoal começar a amontoar num lugar, você perceber gente levando as mãos a cabeça, ajeitando bonés, fazendo sinal de negativo, botando as duas mãos nas alças da mochila e apertando como se dissesse pra mochila "me salve" e ninguém der nem um pio, mau sinal, muito mau sinal. Palavras não foram encontradas para exprimir os sentimentos. Meu conselho: enquanto não consegue ver o que lhe espera, imagine aqueles cenários de Indiana Jones, daqueles que só Indiana sai, encarne seu personagem favorito de filmes assim e que "A força esteja com você". Dá certo, pelo menos deu comigo.

Bom mesmo é ficar atrás de uma colega como a que fiquei. Pelo medo, ela ia alargando a trilha, se apoiando em qualquer planta. Loucura né? Já pensou se bota a mão em planta cortante ou venenosa? Sorte dela não ter fiscal nenhum do IBAMA, seria processada por desmatamento.

Aí chega no rio. Ah, o rio... Se algum dia forem fazer trilha, perguntem ao guia se vão ficar andando por dentro do rio (ah, o rio...), e não levem máquina fotográfica. Você fica numa tensão da peste pra não cair nas pedras pra não perder a máquina. O rio e suas pedras coligadas quase me derrubam por várias vezes. E eu dura na queda. É! Vocês me conhecem, um rio ia fazer eu perder as fotos e a máquina? De jeito nenhum! Me lasquei toda, a cortizona do stress acumulou toda em meu pescoço que ficou duro que nem as pedras, consegui pequenos talhos nos dedos, mas a máquina e o filme estão sãos e salvos.

Ah, o rio... Ele fez eu trocar o medo pela coragem (tem horas que o som e a força da correnteza assusta gente como eu que está pela segunda vez num rio), perder a sensação dos pés com a água gelada e claro, perder a paciência. Depois de quase 1 hora andando no rio (ah, o rio...) perguntei ao guia se faltava muito. "Não, só uns 20 minutos e a gente chega". "Chegar onde?" não me ocorreu essa pergunta. Só chegar já estava de bom tamanho, sair do rio era mais do que suficiente. (ah, o rio...)

A água ficou baixinha, as árvores em volta são trocadas por pedras, grandes muralhas de pedras e musgo, no topo as árvores e no "teto" um pouco de luz. Um corredor esverdeado com uma luz quase azulada chega embaixo e uns pigos gotejam na cuca. Pinga o primeiro pingo na cuca dizendo "Deixe", outro pingo "de", mais um "ser", ploft "rabugenta!".

Os pingos estavam certos, e eles eram o sinal de que depois da curva estava a cachoeira. Que legal, viu?! Puxa, muito bom!!! Arranjei um tronco seco e sentei, bem de frente. Com vista 5 estrelas, tirei o tênis (tênis não, reservatório de água e terra), lavei meias, calça, estendi na minha área de serviço natural, abri a mochila e saquei o banquete.

Suco de abacaxi, sanduiche de frango, biscoito de gergelim e de sobremesa barrinha de cereal frutas vermelhas e duas maçãs. Essa foi uma refeição fantástica! Tudo muito mais gostoso, temperado pela fome, pelo frio do lugar e pelo som da cachoeira. Dormir ali perto deve ser bom...

Fui até a beirada, mas não consegui entrar mais do que a cintura, muito, muito frio! Horas andando pela água e uma pressão baixa impossibilitaram minha entrada. Foi bom assim mesmo. Voltei pra meu tronco e examinei outras coisas além da cachoeira. Que lugar diferente!