A chama que apagou...

Pegou o telefone, e pensou em ligar, ah, como pensou.

Olhou para as janelas, espelhos, sofás e fotos envelhecidas, recordou-se de todas as lembranças, praças, mares, amor, lua, beijos, abraços, presentes, e cartas também envelhecidas em uma caixa que ficava no fundo falso do guarda-roupa, talvez esse “esconder” das coisas amenizasse a dor, tornando-a quem sabe algo doce, digerível entre um trago e outro, ou quem sabe com um vinho barato comprado no bar da esquina.

Pegou o telefone nas mãos, e mais uma vez se perdeu em pensamentos, discou alguns números e desistiu, nunca se sabe a reação que ocorreria do outro lado da linha, poderia ser boa, assim como poderia ser algo que finalizasse de vez aquela interligação que existia ali: a esperança de um dia quem sabe. Não queria que nada fosse finalizado, queria viver em lembranças, em pesadelos do que não foi com a esperança de quem sabe em alguma esquina daquela cidade sem alma e fria houvesse um reencontro com ela, linda de olhos claros, com cabelo de caracóis, também perdida na sua própria solidão, se acabando entre tragadas que soltavam a dor, sonhava que ela corresse até seus braços e o abraçasse, gritando para o mundo o quanto sentiu sua falta e o quanto esperou por aquele encontro causado por anjos, fadas, acaso, destino, sol, lua, planetas, não importa o que, o que realmente importava é que dali em diante seria pra sempre.

Delicadamente colocou o telefone no gancho e mais uma vez desistiu, embora soubesse que todos seus pensamentos eram ingênuos demais pra ser verdade, e que toda a esperança de quem sabe um dia era apenas algo ilusório e que não existia mais nenhum laço que o interligava com a menina de cabelos caracóis, mas o saber não era o suficiente para que ele desistisse. Acendeu velas, incensos, apelou para santos de todas as religiões existentes, espalhou ervas pela casa, invocou todos os tipos de anjos, fez pedidos para estrelas cadentes, promessas, simpatias e apelos de variados tipos, alguém teria que ouvir suas orações, alguém de um plano diferente deveria notar o quanto ele se esforçou pra consertar um erro causado em um passado remoto, e mais uma vez se viu perdido em pensamentos ilusórios, e dessa vez caiu na real, então, com uma calma estranha foi apagando as velas e os incensos, varrendo as ervas espalhadas, e dizendo aos anjos que já poderiam ir, que ali naquela casa não habitava mais nada, além de um corpo frio e que dali em diante não conservaria nas mãos algo que não sente, sabia que aquela cidade sem alma cometeria outro acaso que o traria algo próximo a felicidade, afinal, o natural da vida esta nos encontros e desencontros, sabia também que ninguém dura pra sempre, e que mesmo não querendo, entre pactos eternos existe a morte, e a dele já havia chegado, de nada mais valia persistir com aquela alma vazia, e aquele corpo sem coração. E tudo foi se apagando naquele apartamento, as luzes, a televisão sem som, o brilho do seu olhar, só restava uma brasa que já estava quase apagando, bem fraca, tentando quem sabe se manter acesa, porém de nada vale tentar manter a luz de um lugar que já morreu, de nada vale tentar qualquer manifestação de vida onde nada mais se move, onde nada mais se moverá...

Carla Carina
Enviado por Carla Carina em 28/11/2008
Código do texto: T1308030
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.