Ele voltou!

Sim, ele voltou.

Pena minha filha não estar aqui para vê-lo.

Há mais de três meses vinha um aqui no quintal, igualzinho ele, e ficava pulando sobre o muro, sempre no mesmo lugar. Ele pula verticalmente - se houvesse uma régua no espaço para medir seu trajeto, encontraríamos trinta centímetros. Não mais que isso e não menos que isso também, como se ele tivesse memorizado essa medida em seu cérebro. Mas, vai ver que tem mesmo, e a gente não sabe.

O interessante disso tudo é que eu nem me lembrava mais dele. Quando ele vinha ao quintal, geralmente nas manhãs de sol, e pulava sobre o muro, minha filha brincava com ele chamando-o por : Tico-tico.

E o chamava: - Tico-tico!

Como ele pulava, ela ficava alegre, achando que ele pulava por ter ouvido seu chamado.

Eu não sabia o nome dele. Mas tinha certeza de que não era tico-tico. Também pouco sei sobre tico-ticos, por isso não sei o que eles fazem, muito menos como cantam. A única informação que tenho deles é que comem fubá, por causa da música Tico-tico no fubá, de Zequinha de Abreu. Também que chocam ovos do chupim, porque este empurra os ovos deles para fora do ninho e coloca os seus no lugar. Assim, a fêmea do tico-tico choca os ovos do chupim pensando que fossem dela.

Todavia, voltando ao visitante desta manhã, ele continua lá, enquanto esse texto.

De início, não o reconheci porque eu lia o artigo de uma revista sobre os vinte anos da Constituição Brasileira e somente olhei para o quintal por precaução. Afinal, sempre olho em volta quando estou sozinho. Faço isso como se assim me livrasse de algum perigo.

Veio um passarinho que muito sobrevoa o quintal e pouco desce. É um que tem asas parecidas com as de barata quando fechadas. Na verdade, comparação ridícula minha porque asa de barata é marrom, e a dele é preta.

Além disso, ele tem a barriga inteira branca. A barata não tem. “Mas não deixa de ser esquisito esse pássaro”, pensei, quando no chão.

Ele escolheu um raminho, fez um círculo no ar e depois foi embora. Ele nunca voa na direção em que sobe. Faz um rodopio e toma sentido contrário, talvez para enganar os predadores.

“Com tanto lugar para pegar raminho, por que ele vem justo aqui?” Eta pergunta boba! Vai ver que ele acha o raminho daqui melhor. Mais macio ou mais flexível... Chega! Quem vai saber por que ele vem buscar justo aqui?

Voltei à revista, mas minha atenção foi roubada pelo trinado de um pássaro, diferente do dos outros. Olhei para o quintal e o que vi? Um pássaro pequeno, preto. Pulou uma, duas vezes. Depois foi a um canteiro. Procurou algo. Não sei se encontrou. Escondeu-se numa grama.

“Não pode ser ele”, pensei, porque está parado demais.

Que nada, seu! Depois de uns minutos pulou no muro e saltou. Só que, mudando de lugar.

“É ele!”

Não, não pode ser ele. Depois de tanto tempo, será que viria aqui. Será que lembraria o caminho? Eu disse a minha filha que ele havia morrido, e ela ficou triste. Disse também seu nome, que li numa palavra cruzada, Tiziu.

- Tiziu é o nome dele – eu disse.

- Mas vou chamar ele de tico-tico – disse ela.

E assim ficou.

Hoje o tico-tico pula no quintal e canta – minha filha não está aqui para vê-lo, pois está na escola. Ou melhor, o tiziu, como é seu nome verdadeiro.