PERDER PARA ENCONTRAR

O tempo todo fico observando uma grande e constante dificuldade nas pessoas que encontro em “estar presente aqui e agora”.

Pior do que isso é ainda perceber essa dificuldade em mim mesma!

Talvez tenha sempre sido esse um dos mais difíceis obstáculos em minha vida e por ele tenha retardado minha conexão com meu próprio crescimento.

Tem um tempo, li um texto que trazia uma lenda árabe muito interessante e que dizia mais ou menos assim:

“Contam os árabes que Alah certo dia resolveu mudar todas as águas do mundo, e aquele que bebesse da nova água se esqueceria de sua porção divina, se esqueceria que era a manifestação de Deus, o próprio Deus.

Um único homem prestou atenção às palavras do profeta que revelou a intenção de Alah, e foi até a fonte e encheu muitos barris de água, que escondeu em uma caverna que só ele conhecia.

Veio um imenso diluvio que inundou toda a terra e lavou a água que existia, todas as águas foram trocadas e, cada um que bebia da nova água imediatamente se esquecia que era parte de Deus, se esquecia que era uma criatura divina porque era filho da Divindade.

O homem que ouviu o profeta não bebeu da nova água, ia todos os dias a seu esconderijo e bebia da velha água, aquela que não fazia esquecer, e ele era o único que sabia a verdade, o único que não havia esquecido quem ele era na verdade.

Depois de muito tempo, o homem que lembrava começou a se incomodar com a solidão, com o isolamento ao qual era submetido por todos os outros, que não o compreendiam, não sabiam o que ou quem ele era na verdade. A pressão da solidão foi muito grande, a vontade de se relacionar, de trocar com as pessoas começou a imperar e o homem acabou bebendo da nova água.

Imediatamente se esqueceu de quem ele era e se tornou igual a todos os outros e nesse dia houve uma grande festa para comemorar a milagrosa cura do louco, que retornou de sua loucura para o convívio dos homens de bem...”

Esta curiosa história parece dizer onde está o problema maior:

Beber da “água” que nos faz recordar quem somos realmente, pode significar um caminhar em direção ao isolamento e à solidão!

Seremos alvo de julgamentos, considerados loucos, desequilibrados por não seguirmos as referências ilusórias de todos aqueles que precisam criá-las e alimentá-las para sobreviverem!

Sei que relacionar-me com o agora, estar presente, significa deletar a personagem conveniente e despir-me dos meus disfarces, da minha necessidade de ser aceito segundo normas alheias e tornar-me livre!

Sei também que este processo pode ser e é doloroso, na medida em que me obriga a tirar as vestes, ficar nua de todas as ilusões que me acobertam e me dão conforto...

Por isso mesmo, percebo o quanto ainda sou incapaz de me sintonizar com o momento vivido, o momento real...

Como é difícil me relacionar como o “outro” sem me deixar inundar pelos meus próprios pensamentos e sentimentos!

Conectar-me com o presente é muito difícil, porque requer que eu tenha consciência desse “outro” e reconheça nele tudo que existe em mim e que tantas vezes não quero ver. Então, minha mente escapa para labirintos lógicos ou recantos obscuros que não tem a menor relação com o que está de fato acontecendo no presente... E isso tudo acontece apenas porque preciso alimentar a ilusão que construí ao longo do tempo a respeito de mim mesma!

Quero me focalizar no agora, no que de fato está acontecendo, mesmo que talvez isso signifique descobrir que eu não seja exatamente o que pensava e esperava ser!

Isso soa forte, parece dolorido e me causa a sensação de perder a identidade! Entretanto, essa identidade é falsa, artificial, construída com idéias que não me pertencem e que certamente não se afinam com meu coração nem com a minha essência... Então, perder a identidade pode ser o caminho para encontrar a identidade!

Acredito que não estou só!

A cada dia reconheço mais pessoas que estão rompendo com infinitas cláusulas de certo e errado definidas sem nossa presença ou concordância apenas para transformar-nos em caricaturas de pessoas, e nos fazer cativos de um mundo ilusório que só nos aliena de nós mesmos!

Essa busca traz uma recompensa! Traz a consciência de quem eu sou verdadeiramente, traz a minha verdade para a superfície!

Sei que enquanto eu for uma personagem forjada pela necessidade de dar significado à minha existência pelos padrões ilusórios, não poderei de fato progredir e só estarei rodando em círculos em volta de mim mesma, como uma mariposa que apenas voa, mas nunca terá contato real com a Luz!

Não quero isso pra mim!

Quero mergulhar na Luz, icinerar esse eu que me reveste mas que não sou eu!

Tenho consciência de que isso não significa abrir mão das minhas defesas básicas, nem me tornar uma alienada e sim apenas estabelecer relações verdadeiras com aquilo que é mais essencial no “outro”, compreender-me atravéz desse "espelho" e entrar em contato com a verdadeira natureza de todas as coisas para me tornar cada vez mais uma pessoa real!

E é isso que tenho tentado cada dia mais: Perder para encontrar-me!

(Ref.:Waldenir Benedetti-"Estar Presente")

Cristale
Enviado por Cristale em 03/12/2008
Reeditado em 19/03/2013
Código do texto: T1315902
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