Estou ficando louco?

Paro no sinal e, por demorar um segundo a partir, surge alguém buzinado na minha traseira. Escuto na televisão que um motorista saltou do carro e disparou vários tiros num guarda que o havia multado por riscar na faixa amarela. Leio no jornal que continuam os mesmos escândalos ao tempo do esquema PC Farias, com beneplácito do Banco Central e dos políticos.

Vou ao motel e a moça bonita pergunta se já fiz o teste anti-aids. Passo numa lombada eletrônica a 15 Km por hora e o animal informático geme, como um boi no curral, mostrando que estou a 60 Km. Reclamo da Telemar, afirmo não ter ninguém conhecido no Ceilão, nenhuma amante para justificar a conta e ela diz que o computador falou, está falado. O Errado sou eu.

Vou à cidade e não tenho onde estacionar. Os “flanelinhas” cuidam de meu carro, os fiscais da STTU também me cobram e me sinto acuado. Atravesso a rua, vou ao Banco e, após duas horas, ninguém me dá solução do equivoco bancário. A mulher que amo desconfia de mim. Trabalho há vários anos na Universidade ou em qualquer outro serviço público e dizem que o Brasil está ruim por minha causa, depois de tanta dedicação. Dão dinheiro aos bancos e me acusam de ladrão e ineficiente.

Escuto o noticiário de que há greve de fome por melhores salários e ouço informar que é coisa de doentes mentais. Ouço, então, dizerem que o Brasil é o símbolo da nova modernidade e encontro mendigos nas ruas, amigos sem dinheiro e ricos de dívida.

Dizem que é o ano da educação e as coisas na prática não acontecem. Já não sei o que é “Marketing”, mentira ou verdade. Nem sei, ao menos, o que é virtual ou real, se algo é real, se algo é real ou virtual. Até o amor querem que seja virtual: fazer sexo pela Internet ou com programas de computação. Até o pouco de prazer querem me subtrair, inclusive no sexo e no amor. Dão plano de carreira aos militares, ao executivo, ao judiciário e não aos primos pobres funcionários da saúde. Não entendo mais nada. Estou ficando louco. Estou perdendo a noção de realidade. E se a perda da noção de realidade é loucura, então, estou sofrendo das mais velhas “faculdades mentais”.

As pessoas se acotovelam, se xingam e se matam. Os relacionamentos e as separações se fundem com questões de dinheiro. O encanador me cobra cinqüenta reais para apertar a torneira. O estacionamento me taxa, em Ponta Negra, dez reais. E o meu salário não aumenta. Vou, então, viver do virtual, comer o virtual, transar o virtual, amar o virtual. Nada de concreto, nada de sofrimento. Quero a fantasia, o imaginário de Luiz Borges, a boneca inflável, o fantasmagórico, o derreístico, o sonho, a loucura. Se os meios de comunicação divulgam o que não vejo, no caso, o louco sou eu. A minha realidade interna está maior que a realidade externa. Sou um fora da razão um apóstolo da “des-razão”.

No Carnatal estupra-se uma jovem e nem leio a notícia nos jornais. Estou para ser demitido, em benefício da modernidade e o meu secretário estadual acumula mais de quatro aposentadorias. E o culpado sou eu. A Universidade está se acabando e o responsável sou eu. Sinto-me cheio de culpa. Estou depressivo, com o corpo e a alma pesados de responsabilidade pela situação do Brasil. Como depressão é culpa, o louco sou eu.

Chego em casa e tranco a porta do apartamento pois assaltaram o do meu amigo, semana passada, em plena luz do dia. Evito até sair de casa à noite para não ser assaltado. Será que é um medo verdadeiro ou uma fobia, um medo imaginário? Honestamente, não sei. Quem sabe, estou ficando louco. Louco real ou virtual, pouco importa.

Maurilton Morais
Enviado por Maurilton Morais em 31/03/2006
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