Boato Infeliz

Outubro de 1982. Lá se vão mais de dezoito anos de ditadura. Teve início em 31/03/64 e tinha a previsão de restabelecer a ordem democrática em dois anos.

O atual presidente Figueiredo garante que este será o último governo militar do golpe de 64. O processo político está em franco desenvolvimento para as eleições diretas.

A sociedade está cheia de esperanças, pois é insustentável a continuidade dos militares num governo conquistado pela força. Além do que, dos seus dois objetivos maiores, nem a corrupção nem a inflação sequer foram reduzidas, quanto mais eliminadas.

Entretanto, contrastando com essas esperanças, paira uma grande desconfiança justificada pelo não cumprimento dos compromissos assumidos pelo governo militar: o de restabelecer a democracia em dois anos, bem como o de eliminar a inflação e a corrupção

Assim, nesse ambiente, nasce e cresce o “boato infeliz” de que o governo estaria blefando. As lutas sofrerão um acirramento e o processo de restabelecimento da democracia vai ser, mais uma vez, interrompido. O boato acrescenta que o governo colocará o povo como culpado pelo recrudescimento do regime.

“Reunião de Chefe Grande” são versetos sobre nossa história, que visam alertar aqueles que viverem o restabelecimento da democracia, para que não se esqueçam dos políticos que, de braços dados com a truculência da ditadura, ceifaram os ideais e muitas vidas de uma juventude ativa, participativa que, influenciada por novas ideologias, almejavam um Brasil mais justo, melhor e mais fraterno.

Rimas mendigas que pedem para os que viverem o restabelecimento da democracia, não esquecerem os políticos da ARENA. Pedem para que, quando chegar aquele minuto mágico, cada cidadão faça justiça, não votando nos partidos que, com outras siglas tentarão nos fazer esquecer que foram ARENA, nem nos políticos que, engraxaram os coturnos da truculência da ditadura e caçaram o nosso direito de votar.

“Reunião de Chefe Grande” surge para registrar não só esse boato infeliz, mas o comportamento autoritário que, em 1966 e 1968, blefou a sociedade e não restabeleceu o processo como haviam prometido.

“Reunião de Chefe Grande” são rimas inspiradas na “desordem estabelecida” e na esperança de que o boato não se concretize.

Reunião de Chefe Grande

Chefe Grande convocou

reunião popular,

para que todos pudessem

aquilo que quisessem contar.

Foi um garoto estudante

quem começou a falar,

dizendo que, na escola,

professor ensina história

sem nela acreditar.

Comerciante, em seguida,

reclamou do fiscal

que, em vez de orientá-lo,

põe a mão no seu “cacau”.

Grita o industrial,

se a lei é para cumprir,

como existe Caixa Dois

para do fisco fugir.

Operário assustado

ponderou, na reunião,

que leva a vida trabalhando,

mas quem ganha é o patrão.

Soldado disciplinado,

encorajado falou:

Chefe acabe com as guerras,

instale a paz e o amor.

Chefe Grande percebeu

o erro cometido,

ao abrir diálogo

com o povo oprimido.

Astuto Chefe Grande

não se complicou,

bagunceiros junto ao povo

logo infiltrou

e, com o tumulto gerado,

a reunião encerrou,

dizendo ao povo culpado

que o diálogo acabou,

dizendo ao povo culpado

que o diálogo acabou.

J Coelho
Enviado por J Coelho em 05/12/2008
Reeditado em 04/03/2021
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