Baubo – A deusa suja
 
          Há algum tempo que planejo escrever sobre Baubo – ela é uma das deusas sujas. Eu nada sabia sobre elas até ler o livro Mulheres que correm com os lobos, de Clarissa Pinkola Estés. Durante anos eu e mais duas amigas fizemos um trabalho orientado sobre esse livro buscando decifrar o nosso inconsciente e resgatar o nosso eu verdadeiro, obstruído por convenções e preconceitos. Em determinada ocasião, quando tivemos que preparar uma oficina para trabalhar com nosso grupo de amigas, foi Baubo quem escolhemos para processarmos a catarse que sempre ocorre nesses encontros.
          Baubo é a Deusa da Obscenidade.  É uma Deusa da Grécia Antiga quase completamente desconhecida – aparece em uma única história. A autora do livro considera Baubo uma das mais adoráveis e picarescas deusas que habitaram o Olimpo. E eu também. Não é a toa que me chamaram Olímpia.
          Penso que a maioria de meus leitores conhece a história de Deméter e Perséfone. Só para relembrar vou contá-la de forma resumida. Deméter a mãe-terra tinha uma filha maravilhosa chamada Perséfone que um dia foi raptada pelo Deus dos Infernos, Hades. Perséfone não foi calada – ela gritou até sua voz desaparecer nas profundezas da Terra. Mas o eco de sua voz impregnou as pedras das montanhas e as águas do mar. E sua mãe ouviu esse eco. Desesperada Deméter partiu em busca da filha. Partiu de uma forma alucinada. Gritou, chorou, ameaçou, implorou, quis morrer. Como último recurso, lançou sua maldição: a vida não mais brotaria nessa terra, fosse ela de que espécie fosse. Nem crianças, nem plantas, nem animais. Nada. A própria Deméter transformou-se em um ser repulsivo. Não tomava mais banho e nem trocava suas roupas imundas. Seus cabelos nunca mais foram lavados e se embaraçaram como palhas de aço. Só uma coisa não morreu em Deméter – a busca por sua filha. Um dia, esgotada, ela recostou-se junto a um poço em uma aldeia perdida. Foi aí que ela viu a coisa. Não tinha cabeça, seus olhos eram os seus mamilos e sua boca era sua vulva. A coisa chegou dançando e balançando os quadris e os seios de uma forma lasciva. E desandou a contar piadas picantes. Deméter deu um riso torto, depois um risinho abafado, talvez escondido atrás das mãos e por fim não agüentou. Gargalhou. E as duas começaram a rir e eu imagino que até começaram a dançar juntas. E foi esse riso provocado pela deusa esquisitinha que tirou Deméter da depressão e fez com que ela recuperasse as forçar para continuar a busca de sua filha. Bem, Deméter conseguiu recuperar Perséfone e a vida renasceu na terra, mas isso já é outra história. Esta crônica é sobre Baubo.
         Quando fomos preparar a oficina tivemos que ler a história de Baubo com mais afinco. Tivemos até um pouco de receio – afinal algumas mulheres de nosso grupo são bastante reservadas e ficamos temerosas de ferir-lhes a sensibilidade. Utilizar Baubo como ponto de referência para uma reunião onde os mais íntimos sentimentos podem ser despertados não era muito prudente. Mas resolvemos arriscar. Evidente que um homem nunca poderia estar presente nesta reunião que foi uma verdadeira conversa entre mulheres. 
        Bem, foi um festival de piadas. De uma forma ou de outra, ruborizadas ou na cara dura, cada um de nós contou a sua piada indecente. E rimos como bobas. No final, quando acabamos com as piadas e conseguimos segurar o riso, partimos para a avaliação da oficina. Posso garantir, se havia alguém deprimido ali, a depressão foi embora. Todas nós saímos mais felizes, com mais energia e garra para enfrentarmos os males cotidianos. 
        Foi nessa ocasião que Baubo se tornou a minha deusa favorita. E ponto final, como a própria Clarissa relata ao nos contar que é também sua deusa favorita. Sem mais explicações.