Noite dos amantes

Então, perguntaram por que ele continuava a esmurrar o papel com suas indignações, já que não parecia fazer mais sentido reclamar da solidão. Não houve resposta, interessava apenas revoltar-se, mostrar com clareza que tudo estava obscuro. E aquelas indagações não satisfaziam seus interesses, queria sair pela rua e procurar alguma distração e de preferência com música e álcool. Perambulando pelas ruas centrais, notara que as calçadas estavam de todo irregulares – o que lembrava a própria vida. E numa esquina qualquer, ao olhar para a lua, sentiu estar sendo levado para perto da casa dela. Olhava ao redor e não entendia por que suas pernas teimavam em seguir andando naquela direção. Apenas seguia – como se não tomar aquele rumo determinasse o fim de algum início.

Madrugada alta, duas casas ao lado da morada de seu grande amor percebeu uma movimentação atípica – parecia uma festa, comemoração de qualquer coisa que não importava. Só enxergava a luz do quarto dela ainda acesa. Estaria ela pensando nele e nas coisas terríveis que disseram um para o outro há cerca de uma semana? Ou, pior, será que não estava com um novo amor, deixando-se beijar da mesma forma que entregava os doces lábios para ele? Aquelas impressões o atormentavam demais, tentava compreender o próprio pensamento, e notava-se perdido, mal acompanhava a velocidade de suas idéias. Sentia vontade de gritar e mais uma vez exaltar o seu amor e voltava a lembrar da amargura no olhar dela – quando disse que não queria mais.

Não teve explicação, ela revelara apenas para as amigas que terminara com ele por puro medo – sabia que ele tinha um futuro predeterminado, a capacidade e inteligência não permitiriam que continuasse vivendo naquele mundinho ao lado dela. Então, trancada no quarto – já de madrugada – era difícil entender a própria atitude, mas não poderia conviver imaginando ser a causadora da estagnação da vida da pessoa que amava. Deitada na cama, fica brincando com o celular, passando pelas velhas mensagens recebidas e uma em especial onde ele colocara apenas uma pergunta – "por quê"? A mensagem foi respondida sem nenhuma conclusão – "não sei". E agora alimentava um ódio próprio por não conseguir ser corajosa suficiente para dizer que amava, e com força e com todo amor possível... Suspirava e dizia que amava. Pensava em telefonar, mas sem saber o que dizer, imaginava o que ele estaria fazendo, sentindo pena pois acreditava que ele bebera a semana toda para esquecê-la – o que na verdade não aconteceu, ele bebeu, mas nem por um instante esquecia da magia dos momentos que viveram. Perdida, levanta para apagar a luz do quarto e se assusta ao notar um vulto passar pela rua, quase cambaleando.

Minutos passaram enquanto ele passava e voltava a passar perto do quarto dela. Foram momentos intermináveis em que buscava coragem e palavras para articular qualquer coisa. Até tomar uma decisão e – surpreso – quando iria se mexer em direção a ela, o telefone começava a tocar. Era só o que faltava, imaginou antes de pegar o aparelho... Quando abriu para recuperar a ligação, viu que era ela mandando uma mensagem onde estavam escritas as seguintes palavras: "eu te amo, vem aqui me abraçar".