Café Tropeiro

O dia acabava de amanhecer quando cheguei ao riacho. A água cristalina corria entre as pedras fazendo um ruído inconfundível. Embora o tempo ainda estivesse fresco, sentei-me sobre as pedras, tirei os sapatos e as meias e coloquei os pés na água. Gelada. Uma delicia incomparável.

Fiquei bem uns cinco minutos curtindo aquele ribeirão antes de levantar os olhos e avistar colina acima um barraco de pau a pique coberta de palha. É ali, pensei.

Subi a colina num só fôlego. Percebi que havia um movimento na parte de trás do barraco e contornei.

Um homem de meia idade estava curvado sobre o seu fogão a lenha, ao perceber a minha chegada parou com o seu afazer, virou-se e abriu um sorriso para dizer:

- Bom dia...

- Bom dia, o senhor deve ser o Sr. Tonho do Palmito, não é mesmo? Eu estou a procura de uma pessoa que morava nesta redondeza, e me disseram talvez o senhor possa me informar seu paradeiro.

O homem indicou com o dedo um banco de madeira para que me sentasse e acabasse de explicar o que eu procurava.

- Trata-se de uma pessoa que se chama Isabel Cristina, não a vejo há mais de 40 anos. Na época éramos praticamente duas crianças. Ela era uma menina de cabelos cacheados, louros, mas hoje deve ser uma senhora de mais 50 anos. Disse-lhe enquanto me assentava no banco a minha frente.

O homem pegou numa prateleira improvisada presa a parede de barro duas latas velhas de leite condensado que pelo visto era reaproveitada como uma xícara. Empurrou uma em minha direção enquanto retirava do fogo uma lata totalmente preta, preta por fora pela fumaça da fogueira e preta por dentro pelo pó de café que fumegava. O pó de café subia e descia acompanhando as bolhas do líquido em ebulição dentro daquela lata de “leite em pó” improvisada como um bule, mas aquele caldo preto do pó de café fervendo dava uma péssima impressão. Peguei a minha “xícara” disfarçando o nojo, e observei a parte interna da latinha.

- Vamos tomar um cafezinho enquanto conversamos. Disse ele pensativo.

Colocou aquela lata fumegante sobre a bancada que servia como uma mesa escolheu calmamente no fogão a lenha, um tição. Pegou, levantou até a altura dos olhos, olhou com cuidado, soprou e devolveu ao fogo, escolheu outro, repetiu a operação umas duas vezes, até que encontrou um que achou adequado, se aproximou da bancada com aquela lenha em chamas nas mãos e para minha surpresa enfiou dentro da lata de café. Um chiado forte se fez ouvir ao mesmo tempo em que subia um cheiro maravilhoso de café torrado. Calmamente ele devolveu a lenha ao fogão, pegou aquela lata preta e entornou na minha “xícara” parte daquele líquido preto cremoso. O cheiro forte do café que exalava de maneira irresistível da lata espalhou-se pelo lugar. Ele sentou-se ao meu lado, pegou a sua “xícara” de leite condensado e colocou um pouco daquele café.

- Ta doce, pode tomar. Disse.

O aroma maravilhoso do café me fez esquecer o nojo inicial, e me convenceu a experimentar mesmo sabendo que a borra do café deveria incomodar muito na minha boca. Cuidadosamente entornei um pouco daquele líquido quente e escuro porém extremamente cheiroso na minha boca. Para minha surpresa o café estava perfeito, cheiroso, doce, e sem vestígio do pó.

- Tá fraco? Perguntou ele com sincera preocupação.

- Não! Ta ótimo. Exclamei.

O café estava forte, quente e extremamente cheiroso. Um adocicado diferente (por causa da rapadura) com um sabor indescritível do café torrado na hora.

- Eu nunca tomei um café assim tão bom. Disse com sinceridade. – Não sei como a borra do café não passou para o copo.

O homem voltou sua atenção para o fogo e sem olhar para mim e disse: O tição acomoda a borra do café no fundo da lata, e dá esse cheiro bom. Num precisa coar. Se o senhor gostou tem mais um pouquinho aqui.

E assim me ofereceu o que restou naquela lata preta, entornando com cuidado para não deixar passar o pó que estava acumulado no fundo.

Foi assim que eu conheci o verdadeiro café tropeiro, o café servido pelos tropeiros das fazendas de cacau na Bahia. É um café delicioso incomparavelmente cheiroso, que não é servido em nenhum restaurante de luxo. Mas costumo dizer aos meus amigos, quem nunca tomou café tropeiro não conhece o verdadeiro sabor do café.