A vida no banco dos réus

Sinceramente eu não sei que componentes químicos ficam agindo dentro da gente ininterruptamente para nos levar a refletir sobre coisas disparadas inocentemente.

Numa visita rotineira à loja de uma amiga, já estava despedindo-me dela, quando entrou um casal bem aparentado devendo ter por volta de sessenta e poucos anos e muito mais da metade desses anos, casados.

A senhora, distinta, elegante, sorridente. O homem igualmente, porém com uma dose extra de simpatia e bom humor.

Como se fosse ao acaso, a senhora pronuncia apreciar uma pessoa que ultimamente tem estado em evidência na mídia, um padre jovem, bonito, inteligente e extremamente sensível às coisas mais simples da vida e eu, prontamente – e coincidentemente (?) - disse a ela tê-lo conhecido de perto, pois além de todos os adjetivos físicos, esse ser humano incrível é filósofo, escritor, cantor e compositor.

A conversa sobre os atributos do padre tomou um rumo bem humorado e a senhora então comentou ter visto em um programa de TV apresentado por outro evangelizador – talvez um pouco enciumado – que todas as mulheres que admiravam o padre em questão estariam pecando, pois não estavam indo à igreja para buscar a Deus e sim para cortejar o padre.

Não é um fato que merece total isenção de seu por que, porém, claro que a fé também é um fator relevante, se não o fosse, as mulheres procurariam homens tão ou mais bonitos que o padre em quaisquer outros lugares que não fosse a igreja, principalmente porque fora da vida celibatária, supostamente os homens são livres . Antes de se retirar com o marido do estabelecimento, a senhora completa o pensamento dizendo:

- Olha para esse aqui! – apontando para o marido – Também já foi tão lindo que chegava a ser um pecado.

Fiquei observando o senhor enquanto meio de lado e já junto à porta, ela o olha novamente e diz suspirando e olhando o chão, como quem tenta encontrar um consolo:

- O que a vida não faz com as pessoas...

E sumiu na multidão, junto com o marido e, segundo sua ótica, agora feio ou menos bonito, não sei exatamente, mas essa frase soou um ar de decepção.

Terminei minha conversa com os meus amigos da loja e segui para casa. Essa frase que a senhora lançara como um pedido de socorro, culpando a vida por tornar seu marido menos do que era no passado, ficou me roendo por três dias.

Certamente ela também já não é mais aquela pessoa com quem ele se casou há anos atrás.

Todos nos transformamos, melhoramos em algumas coisas, pioramos em outras. É um eterno ciclo de acontecimentos bons e ruins e avança sem que possamos ter controle disso. É natural e igual para todos.

A vida que nos é dada com tanto entusiasmo por Deus, nada tem a ver com o que fazemos dela. Ela continua passando, devagar ou depressa não importa. O que é certo é que ela não nos faz nada, só nos leva a experimentar a realidade das escolhas que fazemos e fica lá, cumprindo seu papel, aceitando o que quer que seja de nós. Sob esse argumento a vida nada tem de injusta.

Somos livres para escolher as pessoas, os caminhos, as profissões, os lugares – bonitos ou feios – e tirar deles aquilo que nos for conveniente. As imagens e a vivência se tornam mais ou menos belas de acordo com a maneira que olharmos para elas. Vemos exatamente aquilo que queremos ver e a satisfação é diretamente proporcional. Os olhos são nossos, os pensamentos são nossos e as atitudes impulsionadas por eles são de responsabilidade única e exclusivamente nossa.

É inegável que existam processos inconscientes envolvidos em todas as nossas palavras, atitudes e expectativas. Somos seres insatisfeitos por natureza e passamos por essa experiência terrena certamente para evoluir em algum sentido. Um acúmulo de todos os sentimentos aliados a fatos desde antes de nascermos são o que dispara nosso jeito de enxergar e experimentar as coisas.

Antes de culpar a vida por ter feito isso ou aquilo com algo ou alguém, é melhor isentá-la temporariamente dessa carga e inverter a questão.

Não importa quantos anos você tenha, mas sempre é hora de mudar e tornar bonito aos seus olhos aquilo que até agora lhe foi feio.

Coloque-se no lugar da ré – a vida – e experimente não a acusação, mas a reflexão de tê-la a sua frente lhe dizendo não com a voz de quem julga, mas com a voz daquela grande mãe que quer de você o melhor:

- O que as pessoas não fazem comigo...

Certamente você encontrará motivos de sobra para absolvê-la.

Fernanda Vaitkevicius
Enviado por Fernanda Vaitkevicius em 30/12/2008
Código do texto: T1359275
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