Milagres do Sapeca Negrinho

O caso que pretendo contar não é só mais um daqueles casos corriqueiros que acontecem em qualquer lugar, a qualquer hora, é, antes de tudo, um caso verídico acontecido há algum tempo na cidade de Goiânia.

Era o mês de julho de 1.997 em pleno inverno, quando fui convidado pelos primos, o médico Jales e sua irmã Claudia para juntos comprarmos uns cobertores com a finalidade de se fazer uma doação à algumas pessoas da periferia.

De pleno e comum acordo, resolvemos verificar os preços no bairro de Campinas que tinha a fama de ter preços mais em conta. Por isso nos dirigimos àquele setor e pudemos verificar a veracidade da fama. Percorremos algumas lojas especializadas do produto que procurávamos, anotando os preços de cada uma delas.

Depois de andarmos bastante, resolvemos entrar numa loja, cujo proprietário, era um estrangeiro, que perguntado se vendia cobertor barato, deu-nos a seguinte resposta, tudo aqui é muito barato, mas para o caso de vocês eu tenho um que está bem barato, é o "Sapeca Negrinho".

Aquilo fez com que entreolhássemo-nos e meio que indignados, lhe perguntamos o por quê daquele nome que nada tinha à ver com o produto a nós apresentado como sendo o dito cujo? O proprietário nos respondeu que se falasse de outra maneira ninguém saberia de qual artigo se tratava. Compramos vários cobertores "Sapeca Negrinho" e os distribuímos aos mais carentes.

Como a resposta não fora convincente, pelo menos para mim, no outro dia, sem falar nada com meus primos, voltei sozinho ao mesmo estabelecimento, cujo comerciante ao me ver entrar, saudou-me amistosamente acrescentando, veio comprar mais cobertores ?

Afirmei-lhe que sim, com uma condição, que ele retirasse o nome “Sapeca Negrinho”. Diante disso, ele afirmou-me que seria impossível faze-lo, afirmando que não fora ele quem inventara essa designação. Foi quando o avisei que poderia denunciá-lo aos órgãos competentes por discriminação racial, cujo desdobramento poderia culminar até em sua prisão.

Quando ele viu que não estava brincando, propôs o seguinte: “Prometo que não vou fazer mais pedidos desse produto, por conseguinte, não mais venderei os tais cobertores. Além disso vou fazer uma doação de 20 cobertores desses aos pobres para o senhor distribuir da maneira que lhe convier, solicitando que não o denunciasse, alegando, que se isso acontecesse, ele poderia se dar muito mal, principalmente por ser ele um estrangeiro”.

O gringo ficara realmente nervoso e temeroso e, por isso, insistiu em fazer àquela doação de uma maneira tal que se eu não aceitasse sua proposta, ele poderia até sofrer algum tipo de distúrbio emocional. Não aceitei os cobertores e nem os comprei, mas o aconselhei para que ele mesmo fizesse a doação para uma entidade beneficente, informando-lhe os nomes de algumas delas.

Moral da história, considero que as pessoas que agem dessa forma, o fazem, talvez até sem malícia e mais por falta de informação. Passados alguns meses retornei ao estabelecimento e fui muito bem recebido por aquele cidadão que me afirmara que tinha feito a doação para um albergue, exibindo um recibo assinado por quem os recebeu.

Prolongando o assunto, confessou-me que ao agir daquela forma eu lhe dera a chance de conhecer o sofrimento alheio e de se inteirar melhor das leis do país. Ficamos amigos e com o tempo pude constatar que o mesmo era um cidadão de bem, por isso, em homenagem a ele, achei por bem contar o milagre, reservando-me o direito de não declinar o nome do santo, ainda mais que ele ficara de repetir o milagre todos os anos em época de inverno, como de fato vem fazendo.

Amarú Inti Levoselo
Enviado por Amarú Inti Levoselo em 06/01/2009
Código do texto: T1371325
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