O reconhecimento do estrategista

O mais festejado intelectual de expressão portuguesa do século 17 é, sem dúvida, o Pe. Antônio Vieira (1608-1697), que, embora nascido em Portugal, viveu a maior parte de sua vida no Brasil. Seu talento surgiu tardiamente, mas com um vigor tão intenso e constante que não havia quem não se maravilhasse com essa flor de humanismo.

Vieira foi um orador ao mesmo tempo apaixonado e preciso, dono de um estilo que agradava da mesma forma a letrados e lavradores, e é como orador que freqüentemente é lembrado. Esse estilo, porém, serviu tão-somente como instrumento de uma vocação religiosa e política – muitas vezes mais política do que religiosa, parecendo mesmo ser a ferramenta de um estrategista inserido no projeto de expansão do catolicismo empreendido pela Contra-Reforma, projeto em que Vieira trabalhou até seus últimos dias com uma coerência impressionante.

Embora seus primeiros escritos já manifestem preocupações com os negócios públicos, pode-se dizer que sua carreira política teve início aos 33 anos, quando partiu para Portugal a fim de levar a adesão do Brasil ao novo rei, D. João IV. A partir daí, Vieira participou das grandes decisões políticas do Império Português: contribuiu para o processo de reabilitação dos cristãos-novos, obteve a aprovação da Companhia do Brasil, atuou na tentativa de unir Portugal e Holanda contra os interesses britânicos. Por muito tempo transitou como diplomata pelas cortes européias, onde sempre era recebido como grande pregador e homem de Estado.

Algumas de suas idéias para o projeto imperial português sofreram forte resistência, como a de trazer os judeus de volta ao País, usando do argumento de que o dinheiro desse povo fortalecia outras nações quando poderia estar fortalecendo Portugal. Algumas vezes seus planos, não obstante lógicos e bem formulados no plano teórico, eram totalmente desvinculados da realidade em que deveriam ser aplicados, como se fossem a projeção de uma situação ideal, ou idéias para o futuro. Mas isso não chegou a diminuir o prestígio do padre como estrategista.

Vieira fazia parte do governo, e não deixou de criticar esse governo nos momentos em que os caprichos de algum governante iam de encontro à sua fé. Mas não quis tornar o Brasil independente, aceitava a escravidão africana como elemento de estabilização do pacto colonial e defendia o trabalho das missões, que dizimaram a população indígena. E nem se poderia exigir que tivesse idéias que somente começaram a ser aceitas séculos mais tarde.

Como freqüentemente ocorre com aqueles que enfrentam os donos do poder, essa voz foi silenciada por mais de uma vez. A voz que levou ao ponto mais alto a cultura lusitana.