O DIA EM QUE A ENCONTREI............. (Crônica de um dependente químico)

O DIA EM QUE A ENCONTREI.............

(Crônica de um dependente químico)

Não sei dizer exatamente o dia e a hora em que a encontrei.

Não me lembro se foi na minha casa, na casa de amigos, na rua ou em alguma festa. A única coisa que sei é que fui eu quem a encontrou.

Eu estava em algum lugar e ela se aproximou de mim num momento de extrema fraqueza, e foi nessa fraqueza de corpo e de alma que ela beijou meus lábios com uma paixão ardente como jamais eu havia provado.

Eu não a procurei por algum tempo pois percebi ser uma paixão avassaladora e não me faria falta alguma. Mas paixão é como o fogo que arde sem queimar e, em algum lapso do tempo acabei por encontrá-la novamente.

Ela estava à disposição tal qual uma meretriz, louca, alucinante e alucinógena, doce suave, evolutiva e desejada.

Encontrei – a em outras oportunidades , esporadicamente , isso é certo, e toda vez que sentia seu sabor ardente mais e mais sentia a necessidade de sua presença, sedutora e corrosiva.

O tempo foi passando e agora eu não conseguia viver sem te-la junto ao meu corpo e minha mente. Ela desposou do meu corpo e fez-me andrajos. Minha vida era a sua vida e por ela eu desfazia tudo o que eu conseguira até então.

Já não havia lugar e nem hora para encontrá-la. Aos poucos fui deixando meus afetos mais caros, (minha família) e já não me importava com o tempo. Para estar junto dela e ela dentro de mim qualquer hora era hora e qualquer coisa era motivo. Em algum momento acabei ficando somente eu e ela, nem meus amigos compartilhavam comigo os meus devaneios, somente uns tantos outros que jamais havia conhecido faziam parte dos meus planos (que planos).

Na minha solidão acompanhava-me uma imensa dor e uma ira, um medo e uma revolta que somente eram aplacados quando estava ao lado dela. Oh !, como eras formosa, implacável e impiedosa.

Deixei muitas vezes o aconchego da alcova de meu lar para desfrutar dela nas mesas imundas de imundos bordéis.

O meu tempo era o tempo dela, no trabalho, nos fins de semana, nas folgas, feriados e férias. Já não olhava para meu rosto e quando o fazia não me via mais.

Ela havia me conquistado e eu não sabia mais lidar com sua constância e sua dedicação. Não ouvia mais ninguém e dizia para todos que a hora que eu quisesse eu a deixaria.

Os anos foram passando e eu também passava junto com os anos. Entra ano e sai ano e eu junto dela, cada vez mais e mais provando do fogo de seu sabor.

Muitas vezes quis desistir e deixá-la, mas não conseguia. A cada proposta de deixá-la para nunca mais, vinha um desejo ardente de te-la e somente a ela na minha vida. Já não comia mais como antes. Emagrecia. As noites eram de aterrorizante insônia e, os raios débeis da aurora me encontravam soturno, silenciosamente embaraçado e tonto com as carícias da minha única idolatrada.

Minha maior alegria era estar sempre junto dela. Ah! Como era tão boa a sua companhia. Junto dela eu era o maior herói do mundo. Junto dela o mundo era errado. Óh !, Como todo mundo estava errado ao meu respeito. Como existem pessoas mesquinhas meu Deus. Pessoas que não me ouvem, que se afastam de mim. Eu tinha muitos amigos.

Nos meus costumeiros encontros eu sofria , mas não conseguia deixá-la.

Alguns outros apaixonados pela mesma musa deixaram de acompanhar-me nos transes místicos dela e, somente mais tarde vim a saber que jamais me acompanhariam nas noitadas sem fim, pois ela os enterrou em algum cemitério qualquer. Outros tantos alucinados foram baixados nas covas frias e disto muito tempo depois fui saber, afinal eu não tinha tempo, meu tempo era o tempo dela.

Não sei por quanto tempo vaguei por este mundo estranho, de vibrações estranhas, só sei que as flores dos meus encantos (meus filhos queridos) andavam murchos e taciturnos, encolhidos nas sombras do que fora um lar.

Só sei que eu não pensava, eu odiava, tudo e todos. Eu não amava, eu praguejava. Eu não superava obstáculos, eu era o meu próprio estorvo dentro da minha própria vida.

Assim o tempo foi passando e eu não criava nada de útil. Eu era o medo e o exemplo negativo. Eu acabei por não ser nada e ela sempre altiva, retirando-me o último níquel emprestado e o dinheiro das pessoas por mim manipuladas.

Mas um dia, quando minha última gota de sangue já estava impregnada com ela e o meu odor era só o que emanava dela, acordei.

Não era pesadelo, o pesadelo fui eu quem criou. Na casa de horrores eu era o anfitrião e o algoz. Eu era a vítima e o carrasco que puxou a alavanca do cadafalso. Como deixá-la nesta hora ????????????

Foi dolorida, muito dolorida a separação, mas rompi meus laços com ela de supetão. Deixei-a num canto qualquer de uma birosca qualquer e procurei os últimos amigos que me restaram. Primeiro busquei a sobriedade e acabei por descortinar um novo horizonte. Quando olhei para traz, e vi no meu álbum de fotografias da vida várias páginas em branco, é que me dei conta da loucura em que estive por tanto tempo.

Hoje, galgo passo a passo na serenidade e na serenidade ouço novamente as vozes dos anjos que me deixaram quando ela ficou em mim e eu nela.

Hoje meus sonos são tranqüilos e meus sonhos são de perdão, de temperança e de vontade de reconquistas. Hoje, eu não trago as mágoas de outrora e somente lamento o dia em que, conduzido pelas mãos demoníacas experimentei pela primeira vez um gole de bebida, bebida etílica, néctar de álcool que por um longo tempo me sobrepujou.

Hoje, mais do que nunca acredito no poder Superior que me levantou das sarjetas e da condição de ser etílico para ser chamado novamente de Homem. Hoje e somente hoje estou limpo e com a graça de Deus sempre o serei, lembrando sempre que nunca é tarde para recomeçar a vida e, que nada está irremediavelmente perdido. Acima de tudo aprendi a acreditar em mim mesmo e principalmente em Deus e nas promessas de reconciliação. A bebida é a inspiração do diabo e a sobriedade e a serenidade é a inspiração Divina. Só por hoje funciona, desde que pelo menos possamos dar um passo por dia sem a bebida e suas falsas promessas de temporária alegria.

São Paulo, 10 de dezembro do ano de 2007.

Guilhermino
Enviado por Guilhermino em 08/01/2009
Código do texto: T1374336
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