Ruminando
 
 
Estou lendo um livro cheio de perguntas e me faço essas perguntas também. Estou lendo Rimas da vida e da morte de Amóz Oz um escritor israelense. Ele é um escritor que escreve sobre um escritor que vai participar de um encontro literário e fica mentalmente relacionando as perguntas que lhe farão. E eu fecho o livro e fico me perguntando, eu uma escritora de araque, por que escrevo, por que escrevo como escrevo e se tenho alguma intenção de influenciar quem me lê e em que sentido tenho esta intenção e muitas perguntas mais porque afinal o escritor que escreve sobre o escritor e o escritor que é descrito são ambos famosos embora um seja muito famoso e o outro só moderadamente e as perguntas mais espatafúrdias são feitas sempre que se apresentam em um encontro como esse.
Diz o escritor que escreve sobre o escritor que existem dois tipos de respostas, as espertas e as evasivas e que as simples e diretas não existem e talvez por isso eu esteja tendo dificuldade em responder as perguntas que não foram feitas nem para mim nem por mim, mas que eu teimo em querer responder. Respostas espertas e evasivas eu as conheço bem e as utilizo para responder quando me fazem perguntas sobre, por exemplo, o meu ofício de ganhar o pão, seja alimentando o corpo ou alimentando o espírito, que sou padeira de profissão, mas também tenho outra função, que é fazer a roda da cultura girar e tive também outras que abandonei, que foram as de conduzir rebanhos pela vida e até pelos campos. Mas estas respostas não me servem, as espertas e as evasivas, quando eu busco entender a mim mesma e a explicar-me porque faço o que faço. Preciso de respostas simples e diretas, como simples e diretos são os textos que escrevo a menos que eu resolva brincar a moda de. E eu gosto de brincar a moda de porque afinal para mim, escrever é uma brincadeira e eu fico exultante quando percebo que fiz alguma coisa parecida com alguma coisa que alguém já fez, não no assunto, mas na forma de lidar com as palavras, embora nessa forma eu acabe sempre pondo a minha forma porque mal me distraio e ela escapa. Por exemplo, escrever uma página inteirinha sem usar o ponto final, ou usando o ponto final só no final do texto não no final da frase porque o texto todo está escrito em uma única frase embora ocupe páginas e páginas. O que me fez lembrar uma vez quando eu era leitora de Seleções e aprendi um truque e quando a professora de redação observou cruamente e também cruelmente que eu não sabia acentuar nem pontuar ou colocar qualquer sinal gráfico adequadamente eu coloquei assim como li na velha revista encontrada em uma estante perdida da biblioteca do colégio interno que pra mim nunca foi castigo, mas diversão: - “‘ ^~`´| {} [],:;!?” Ordinário marchem todos em seus lugares. Evidentemente esse truque estava na seção Rir é o melhor remédio, mas a professora não achou graça nenhuma e nem riu e eu acabei foi ganhando um zero em redação, o que me levou a fazer algumas trocas, eu escrevia as redações para as colegas especialistas em pontuação e acentuação e elas colocavam os pontos no lugar, mas muitas vezes os pontos eram colocados em lugares errados porque a entonação com que elas liam eram diferentes das entonações que eu escrevia e assim achei melhor abrir um livro de gramática e estudar mais ou menos e a continuar a trocar redações agora por trabalhos manuais.
Eu já estou quase acabando de ler o livro e sinceramente embora tenha me esforçado não estou conseguindo dar respostas às perguntas que não são minhas nem feitas para mim e também que não interessam a ninguém além de mim porque afinal eu sou uma escritora municipal e na verdade o que realmente eu sou é uma grande leitora e vou guardar essas perguntas, as perguntas que fizeram ao escritor moderadamente famoso descrito pelo escritor muito famoso quando eu estiver na platéia de um encontro literário com os grandes escritores para puxar o cordão dos aflitos porque em encontros desse tipo a primeira pergunta custa tanto a sair que o pobre escritor se remexe na cadeira, ansioso com medo de ninguém ter prestado atenção no que disse ou mesmo nunca ter lido nada que ele escreveu. Então, eu irei salvá-lo. E ele me convidará para jantar.