Um sujeito diferente

Onofre é um sujeito diferente. Apesar de 24 anos de casado, leva flores para a esposa. Em qualquer dia. É hábito. Tem boa memória, bom humor, excelentes filhos, automóvel. Não tem dívidas. Só gasta depois de receber e só com o necessário. É vacinado contra modismos, rejeita o gerundismo. Não acumula em casa coisas das quais não precisa. É um doador contumaz. Preserva a boa qualidade de sua vida com inteligência.

Na volta do trabalho ouve boa música num volume confortável. Escuta os informativos também. Foi assim que soube da obra num determinado ponto de sua rota para o trabalho. Saiu vinte minutos mais cedo. Ao sair, depois de se despedir da família, conferiu a calibragem dos pneus. Precisou pôr mais água no reservatório do radiador. Tirou o lixo acumulado no carro e colocou na lixeira. Ele recusa-se a jogar sujeira pela janela. Conferiu a posição do banco e retrovisores e partiu. Teve certa dificuldade para sair, pois mora numa rua de trânsito intenso. Durante uma das tentativas, um veículo passou em altíssima velocidade e buzinou muito, apesar de ainda não ser sete horas da manhã.

Já na rua, percebeu que um motociclista se aproximava. Conduziu-se para a direita e fez sinal para que ele passasse. Recebeu um leve toque de buzina em agradecimento. Ao chegar a um cruzamento, parou a uma razoável distância para que um coletivo pudesse fazer a conversão com espaço e segurança suficientes para a manobra. Os motoristas dos veículos que estavam atrás não gostaram da gentileza e dispararam ameaçadoramente as buzinas. Logo depois de uma curva percebeu que alguém tentava sair da garagem. Onofre parou a uma distância segura e sinalizou para que o cidadão saísse. Este não se lembrou de agradecer, como é normal em nossos tempos. Mais adiante, num cruzamento, um veículo quebrou. Muitos ficaram presos. Não Onofre que mantém sempre uma distância razoável do veículo da frente. Fez uma rápida manobra e seguiu viagem. Na via expressa, a velocidade permitida é maior. Por isso mesmo ele não a ultrapassa. Pensando nisso é que viu o veículo da frente dar uma freada brusca para não atropelar um grande cachorro. Apesar do susto, nada aconteceu. A velocidade e a distância do veículo da frente eram compatíveis com a segurança.

Enfim, chegou ao local de trabalho. O franelinha o recebeu com um largo sorriso que foi correspondido. O rapaz mantinha seu carro limpo e recebia para isso. Cumprimentou o porteiro, perguntou-lhe pelo filhinho que andara doente. Tocou no ombro do jardineiro que já estava pronto para regar o jardim e despachou um sorriso brilhante ao segurança. Entregou ao ascensorista o livro que havia prometido trazer. Elogiou o esmalte da secretária e o sorriso da faxineira que acabara de limpar a sala do diretor. Perguntou ao office-boy como se saíra na prova do dia anterior. Foi até à copa, cumprimentou o copeiro. Pediu um copo de água. Sentou-se para conversar um pouquinho consigo mesmo e agradecer a Deus por chegar em segurança e pelo trabalho que iniciaria em dez minutos.