AMANHÂ, TALVEZ, QUEM SABE...

Depois dos cinqüenta a gente começa a conviver com uma série de probleminhas que, antes, pareciam distantes e destinados só aos outros: o cabelo fica branco, a pressão arterial se altera - coisa genética, diz o médico, como se isso resolvesse- e a gente se vê obrigado a uma série de exames destinados a prevenir males que possam nos despachar desta vida com uma antecipação não programada.

Há mais de cinco anos faço, religiosa e anualmente, esse tipo de prevenção e já encontrei muitos conhecidos na mesma fila. A conversa gira sobre outros assuntos, o pessoal acaba levando a coisa na gozação, observa-se as moças bonitas que atendem, o tempo passa mais depressa e, com um grande alívio, o médico grandão e alegre nos diz: “- só quero vê-lo no ano que vem ta bom?”

Por isso mesmo eu estava lá, numa tarde de agosto, sentando no grande banco de um dos corredores do hospital, observando os doentes que transitavam, quando se sentou ao meu lado um sujeito alto, de aspecto rústico, com um chapéu de vaqueiro, camisa listrada, um cinto com uma fivela imitando a cabeça de um boi e um par de botas que chegavam quase aos joelhos. Ficou quieto por alguns minutos, com ares curiosos e, finalmente, puxou prosa com um sotaque diferente. Contou que morava lá no fundão do Paraná e, tendo parentes aqui na região, fora aconselhado a vir fazer um exame. Aí eu identifiquei o seu jeito de falar e prosseguimos num papo superficial.

Num determinado momento, o homem todo marcado pela vida sofrida do campo tirou o chapéu, revelando vários fios de cabelos brancos, dizendo que estava admirado com o grande movimento do hospital. Depois, abaixando um pouco a voz, perguntou se eu também estava ali para fazer o tal “exame dos homens”. Disse-lhe que sim e que já fizera vários ao longo dos anos. Ele deu uma coçada na cabeça e disse: “-é, a idade vem vindo, a gente vai sentindo o peso dos anos, as canelas vão amolecendo, o corpo vai ficando mais pesado.”

Concordei, a fila ia diminuindo, os pacientes saindo, a nossa vez se aproximando e o homem, apesar de comunicativo, parecia cada vez mais preocupado. Levantou-se, deu uma espreguiçada, voltou a sentar-se dizendo: “-mas, porque será que a gente tem que fazer esse exame, o senhor não acha esquisito?” Falei que não, porque essa prevenção já havia salvado muita gente de um perigo maior. Aí ele se aproximou, abaixou ainda mais o tom de voz e falou: “-me diga uma coisa. O tal é exame é feito do modo me contaram, de uma maneira meio esquisita, coisa que homem não aceita muito?” Ficou um clima meio diferente. Afinal eu não sabia o que lhe haviam contado e percebi que, como homem rude, criado no campo, conservava alguns dogmas próprios e, certamente, os amigos já haviam antecipado as possíveis gozações.

“- Olha meu amigo - disse-lhe- não sei o que lhe falaram, mas que eu saiba é assim mesmo e não tem nada de mal, porque é um exame médico como qualquer outro, seja ele inconveniente ou não. Mas lhe garanto que não vai doer nada.”

Aí ele se levantou, colocou o chapéu surrado e estendeu a mão em gesto de despedida dizendo: “‘- olha, hoje não estou preparado para isso.” E, saindo arrematou: “- talvez amanhã, quem sabe...”