O PERDÃO PARA UMA MÁGOA

“Pedir perdão é assentar o terreno para futuras ofensas” (Ambrose Bierce)


Algumas vezes me pego tristemente amargo. Não que a amargura seja constante em minha vida ou habite o meu ser há bastante tempo. Não. A minha amargura é apenas pela lembrança que, de vez em quando, eu, infelizmente, tenho a incapacidade de bloquear em meus pensamentos e que, por me sentir impotente diante, por exemplo, de uma injustiça a mim feita, a minha alma se desfaz em penitências à procura de uma solução que não seja revidar com a vingança.

Tenho aceitado, como uma espécie de provação, a insistente permanência da dor causada, é claro, pela amargura de ter sido ferido justamente onde a dor se torna mais intolerável: na confiança. Sim. Pois confiar ainda é o princípio da honra, da capacidade de acreditar no próximo, nas pessoas e delas receber, em reciprocidade, o mesmo tratamento que você dispensou, independente de suas frustrações e rancores.

Não tenho tido oportunidade de decidir a minha mágoa, como seria o lógico. Não. Também não conseguiria neste momento presente. A minha mágoa é tão grande, tão perniciosa, que prefiro, mesmo a contragosto, deixá-la adormecer para que, quando ela se amainar um pouco, eu possa começar a pensar em resolvê-la, sem pensar que ela foi um dia chamada de presente, mas que eu possa tratá-la, a partir do meu momento, apenas como passado.

Talvez eu tenha a consciência de que a origem desta mágoa tenha sido causada pela raiva que transbordou, no lugar do sentimento que havia em meu ser, em consequência da traição e das ofensas a mim impostas. Por não ter tido a capacidade de revidar ou até ter me sentido inibido para fazê-lo, diante da perplexidade do ato vil, o meu ser tenha expressado em forma de mágoa o que bem poderia ter sido apenas um sentimento passageiro de raiva.

Mas não quero fazer desta mágoa, que ora me atormenta, uma ponte para que eu passe a não mais entender o ser humano, as pessoas como elas são, com seus defeitos, suas imperfeições. Não é isso, de forma alguma. Não quero deixar de acreditar nas pessoas, mesmo sabendo que, por mais que consigamos nos equilibrar numa ética social passível de pequenos erros, ainda sofreremos mágoas, na maioria das vezes, causadas pelas irresponsabilidades de pessoas que colocam seus sentimentos mesquinhos acima do bem estar das pessoas que elas, no momento da bonança, elegeram como seu sentimento maior.

É claro que, por mais que eu não queira, a mágoa já está, intrinsecamente, fazendo parte do meu ser, não obstante a vontade que tenho em não alimentá-la, de não fazê-la companhia fiel dos meus dias e nem de torná-la o mais valioso recorte do meu passado. Não quero e não vou fazer da minha mágoa o saudosismo que o meu rancor necessita para terminar de envenenar o que ainda resta de imaculado no meu sentir e no meu pensar.

Todavia, como cura, ainda não vejo em mim a capacidade de me sentir aliviado, aceitando o perdão. Nem perdoar. Não. Apesar da dor, do sofrimento que a mágoa me causa, a cura através do perdão ainda não faz parte da alegria que sinto ou experimentarei sentir se, por acaso, eu me conceder perdoar àqueles que me ofenderam.

Juro até que compreendo a parte psicológica a que cabe o perdão. Confesso que não interpreto a clemência como sendo favorável a quem nos ofendeu, ficando, para nós, a parte insípida da graça. Não. Compreendo até que, ao perdoarmos, estamos nos livrando de uma dor causada por outra pessoa, e isso vale como um presente, um engrandecimento espiritual.

Sei de tudo isso. Mas ainda não consegui discernir entre dar o meu perdão e ter que continuar depois a me lembrar de quem me fez o mal. Talvez se eu pudesse, no ato do perdão, esquecer a mágoa, as inquietações naturais dos porquês, a própria pessoa, a sua existência, talvez, e somente talvez, eu pudesse, um dia, perdoar a quem me fez, de propósito, o mal.


 

Obs. Imagem da internet
Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 07/02/2009
Reeditado em 05/12/2011
Código do texto: T1426843
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