A VINGANÇA DAS ABELHAS
A vila estava em festa, a música fúnebre que vinha do alto falante da pequena igreja em forma de cruz, invadia as ruas , as casas e os ouvidos das pessoas. O anúncio chamava a atenção até dos despercebidos: "O corpo de Gioconda Quimera de Abreu estará em sua residência às onze da noite, vindo de Belo Horizonte de avião, a família enlutada pede que os amigos estejam de prontidão para esperá-la."-Dizia o locutor efetivo da igreja.
Os homens saiam para as ruas, as mulheres debruçavam nas janelas. -E o enterro , quando será? perguntava uma. -Qualquer hora , qualquer dia, ela foi embalsamada... - respondia outra.
Tudo era novidade na vila. Duas horas mais tarde as pessoas começavam a sair de suas casas com destino à antiga casa da morta, a expectativa era enorme, enquanto esperavam , colocavam as conversas em dia.
Eram altas horas quando o carro funerário chegou trazendo a tão esperada defunta, ouviu-se um burburinho e o povo andou em direção a porta da sala tentando descolar um lugarzinho melhor para ver aquele tão esperado corpo. -Abram alas, pessoal, vai ter tempo de sobra prá todos verem. -dizia um homenzinho forte de olhos azuis. O caixão foi depositado sobre um banco de madeira rústica, o mesmo homenzinho retirou a tampa,( e que caixão!) para que todos pudessem ver aquela mulher com semblante irônico e indiferente a tudo que acontecia. Algumas mulheres choravam e lastimavam sua morte. Assim o tempo passou, com pães e café com leite raiou o sol. Era hora de ir para casa.
Era uma tarde morna de novembro, quando se ouviu o tocar do sino, tocando compassadamente e baixinho, anunciando o momento do sepultamento. Uma multidão acompanhava o enterro, seis homens orgulhosamente, seguravam as alças do caixão que brilhavam sob o sol; mulheres, parentes e o viúvo caminhavam ao redor do caixão levando flores e coroas que famílias amigas ofertavam. Com passos lentos e o blém , blém, blém baixinho do sino, adentravam na pequena porta da igreja. O caixão foi colocado no seu devido lugar, preparado previamente pelo celebrante da igreja, enquanto as pessoas se acomodavam em seus devidos lugares. Os cantores efetivamente cantavam hinos abordando '"salvação da alma". O celebrante ficou alguns segundos em silêncio com o microfone na mão na esperança do burburinho passar. De repente o som foi substituído por outro, um zummmmmmm... ensurdecedor e milhares de abelhas voavam em todas as direções e ferroando quem encontrasse na frente, gritos e choros infantis foram ouvidos, enquanto as pessoas se acotovelavam tentando sair daquele inferno. O celebrante pedia calma mas nem ele escapou, as iradas abelhas o atacou na cabeça, carente de cabelos, suas mãos deixaram o microfone e a tocava, sentindo o penetrar do veneno. Os bancos onde outrora foram tão desejados , agora só restava o vazio, o viúvo e o caixão. O silêncio era mórbido e aquele homem que havia perdido seu amor se aproximou do vidrinho onde ficava visível a face pálida e bem decorada da sua finada Gioconda. O viúvo a olhou atentamente e teve certeza como dois e dois são quatro que Gioconda , sua amada, abriu os olhos e piscou para ele.
Naquele dia e nos outros também, não se falava noutro assunto. O estoque de pomadas e cremes da única farmácia da vila se esgotou.
Nas esquinas, nos botecos, nas casas e na praça não se ouvia falar de outra coisa e uma pergunta está no ar até o dia de hoje: Que mistério foi aquele???? As respostas vinham de todas as bocas , mas nenhuma convencia:
-Pecado?
-o sino?
-as flores??
Prefiro deixar a imaginação falar. O povo prefere assim e eu também.