UMA AVENTURA NA NOITE

O que poderia ser mais assustador para uma menina, com uma mochila nas costas, fones no ouvido e um guarda-chuva, andando sozinha no meio de uma noite chuvosa?

As ruas totalmente desertas? Os uivos de alguns cães perdidos? Os pontos escuros próximos as árvores, onde qualquer bicho ou homem poderiam estar escondidos?

Definitivamente, não.

O que poderia ser mais assustador, com certeza, era um raio cortando o céu seguido pelo estrondo de um trovão. Ela viu a noite tornar-se dia por um segundo e sentiu toda a terra tremer abaixo de seus pés.

Contudo, antes que sintam pena da garota supondo que ela está perdida ou que não tenha ninguém nesta vida, preciso lhes confessar que esta é apenas uma estudante de espanhol que está indo sozinha para casa em uma noite chuvosa e de que necessitava somente de uma ligação para que o pai a fosse buscar na escola. Entretanto, ela não a fez e tinha seus motivos.

O que mais a atraia para as aulas de espanhol não era o prazer de conhecer uma nova língua, seus colegas de classe ou a amizade que mantinha com sua professora, decididamente, o que mais lhe atraia era o sentimento, ao qual gostava de chamar de liberdade, que lhe invadia o ser duas noites por semana enquanto caminhava solitária e despreocupadamente, com seus fones no ouvido, o breve percurso de 15 minutos que ia da sua casa até a escola e vice-versa.

Caminhar sozinha durante a noite não poderia ser comparado de forma alguma com o caminhar sozinha durante o dia, pois, segundo ela, à noite havia a lua e as estrelas para oferecer um toque de magia e mistério ao céu, em substituição ao sol escaldante do dia. E o mais importante, à noite não havia aquela multidão nas ruas com seus falatórios desenfreados, mau humor e pressa. A noite lhe oferecia a solidão e o silêncio na medida exata e um doce sentimento de liberdade.

Por tudo isso, depois de um período de férias e com uma louca vontade de sentir-se “livre” novamente, não poderia permitir que uma chuvinha lhe atrapalhasse. Sinceramente, achou que poderia ser uma boa aventura. Ela que vivia criando aventuras em sua cabeça, achou-se no direito de viver uma.

Retirou o guarda-chuva da mochila e iniciou o trajeto de volta para casa. Não se importou com o fato de não haver ninguém nas ruas ou por tudo parecer muito mais escuro naquela noite ou, muito menos, se importou com os latidos e uivos de alguns cães. No entanto, assustou-se com um raio que cortou o céu bem a sua frente e com o barulho do trovão logo em seguida. E como gostou de sentir aquele friozinho na barriga!

Seguindo seu trajeto, esqueceu-se de que a chuva havia sido forte e a rua de terra em que resolveu entrar, provavelmente, estaria puro barro. Já estava na metade do caminho quando encontrou um trecho feito de escuro e lama.

Ponderou ser muito tarde para voltar ou ligar para o pai e admitir que sentiu medo. A menina, com a mochila nas costas, seguiu e enfrentou toda aquela lama e escuro. Depois, denominou cada gelar de coração ao ver seu chinelo preso no barro e quase uma impossibilidade de prosseguir calçada como uma pequena conquista particular.

Riu-se, mais tarde, por ter apressado os passos, a ponto de quase correr, quando um homem com um jeito suspeito virou na mesma rua em que havia virado e parecia estar atrás dela, mas quando disfarçadamente olhou para trás, ele já havia entrado em alguma casa ou em outra rua.

Por fim, quando colocou os pés enlameados no portão da sua casa, sentiu-se quase a mulher maravilha, a dona do mundo e, por que não dizer, sentiu-se aliviada por ter sobrevivido ao escuro, à chuva, ao tremor da terra, aos monstros escondidos nas trevas que imitavam o som dos cães, à areia movediça que quase lhe roubou os chinelos havaianas e ao homem mau...

Dany Ziroldo
Enviado por Dany Ziroldo em 12/02/2009
Reeditado em 12/02/2009
Código do texto: T1435954
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