Ausência

Quis esconder-me do mundo. Sair de cena, não ver e nem ser visto. Quis não mais ter quer cumprimentar as pessoas que não me interessam, quando as encontro casualmente nos corredores do trabalho, ou nas esquinas das ruas. Quis dar um grito de basta, evidenciar-me como pessoa livre, que não precisa engolir desconfortos para pagar minhas dívidas, ou ter direito a um prato de comida.

Quis tanta coisa! Há alguns anos pensei que podia, pensei que ser é mais que possuir ou parecer ser.

Mas hoje constato que sou prisioneiro. Prisioneiro de minhas obrigações, de minhas responsabilidades, dos papéis que desempenho, da imagem que construí.

Não sou o que aparento ser. Possuo dentro de mim a irresponsabilidade anárquica do bicho que fui antes da civilização. Percorro, em sonhos e pensamentos, lugares e terras distantes onde nunca estarei, porque sou um prisioneiro.

Quero calar-me, não cumprir horários, não ser modelo. Quero tão somente não ser, ausentar-me de mim mesmo e dos olhares do outro. A liberdade do silêncio, ou do grito, quando a mudez é a regra.

Quero instabilizar regras, romper conceitos e preconceitos. Estar aqui e acolá, ou mesmo apagar a luz, quando faltar energia.

Escrever foi um dia uma válvula de escape. Mas como todas as alternativas colocadas para os que se forjaram humanos, letras são apenas cadeados que ajudam a obstaculizar a liberdade de não existir. Letras, números, sinais de comunicação entre as pessoas. Convencionalismos que nos atracam a esta prisão chamada educação, chamada “boa convivência social”.

A liberdade de ir e vir, muito antes de um preceito constitucional, é um engodo e uma agonia. Àqueles que jazem atrás das grades por terem cometido algum delito, digo: Aqui fora, companheiros, não há muita diferença. Simplesmente porque para ser pessoa, mata-se o bicho; ou pelo menos tenta-se contê-lo. Não sou livre, não sou louco. Apenas escrevo. Estou preso às letras, às normas, às roupas.