A MULTIPLICAÇÃO DOS PÃES

Esta semana, ao chegar ao Campus, um colega de curso - destes que gostam de uma boa fofoca, mas que a usam somente como divertimento - me chamou em um canto reservado (fiquei até com medo, tanto foi o clima de mistério e suspense em que me vi inserido) e disse:

- Não conte pra ninguém não, viu? Mas tem um colega nosso que está difícil da gente não falar sobre ele. Vou lhe dizer, aqui, em confiança, mas, se você espalhar, eu nego.

É claro e evidente que essa frase era a deixa para ele contar, de fato, o que ele estava doido para “rasgar”, mesmo que fosse somente a título de brincadeira. Como era.

- Veja: hoje, quando eu cheguei, logo cedo, Pedro, aquele da habilitação de Radialismo, me chamou e me pediu para acompanhá-lo. Como fiquei curioso por ele não ter dito mais nada, acompanhei-o já me prevenindo para uma surpresa. Você sabe como é o Pedro: toda hora aparece com uma novidade. Quando nós chegamos ao local de estacionamento, ele retirou do seu bolso uma chave “invocada” e, com um simples toque, as quatro portas de um carro, tipo importado, se abriram. Fiquei abismado. Ele apenas riu e me perguntou se eu tinha gostado. Claro que gostei! - disse.

- Gostei, mas, cá pra nós e com meus botões: onde foi que ele conseguiu dinheiro para comprar um carrão daqueles!?!?

Diante do meu silêncio – macaco morreu de velho, e eu, certo que acabaria sabendo a teoria de onde o dinheiro tinha vindo, preferi continuar calado, apenas com uma interrogação no olhar que dizia mais ou menos: “onde?” –, ele disse: "vou tentar descrever a trajetória dele até aqui". Fiquei surpreso. O cara tinha até um dossiê sobre o colega - mesmo que fosse apenas de brincadeira, continuei a imaginar.

- Em 2005, quando ele iniciou o Curso de Comunicação, estava desempregado, mas isso não o impediu de fazer uma viagem para o Oriente Médio. Foi visitar Israel e os lugares sagrados por onde Jesus andou, pregou, fez milagres e, infelizmente, morreu. Enquanto fazia a sua peregrinação, durante os três dias em que por lá permaneceu, ele soube que, segundo algumas teorias, o Salvador tinha andado, também, por terras do Egito. Claro! Ele aproveitou para ir à cidade do Cairo, no país das pirâmides, e lá, como todo bom historiador, tentou decifrar os hieróglifos.

- Como ninguém é de ferro, na volta, para descansar um pouco, ele fez paradas em Paris, na França, onde, claro, visitou a Torre Eiffel, a Praça da Concorde, a Avenida Champs-Élysées e o Museu do Louvre. Em Barcelona, na Espanha - pasme! -, ele foi assistir a uma tourada na “Plaza del Toros” e, trouxe, especialmente de lá, uma garrafa de vinho “Tauromania” para comprovar tal passagem. Mas, vamos dar a César o que é de César: ele também deu um pulo até a cidade de Salamanca para conhecer a Universidade mais antiga da Espanha, com cerca de 800 anos de história.

- A bem da verdade, ele fez tudo isso depois que passou por Roma – Terra Santa para os cristãos católicos de todo o mundo – e visitou a Santa Sé. Segundo eu confirmei, deu até para assistir a uma missa na Praça de São Pedro e ver o Papa. Milão, outra cidade da Itália, ele visitou apenas para ver o Milan (time local que tinha, na época, o lateral direito da seleção brasileira: Cafu) jogar contra a Juventus de Turim. Por último, para não dizerem que ele não gosta dos patrícios, Lisboa foi escolhida para passar os dois últimos dias da turnê. Por que que eu sei disso? Ele me mostrou as fotos da viagem de férias.

Fiquei impressionado com as informações! E ainda vinham mais coisas pela frente, pois o impaciente narrador - ele olhava constantemente para os lados, como que procurando escutas, agentes secretos ou com medo de que chegasse algum colega para participar daquele colóquio e ele tivesse que interromper a satisfação de contar, até o fim, a trajetória do seu personagem - estava louco para desembuchar o restante.

- Até aí, tudo bem. O problema é que ele, quando chegou da dita viagem de passeio - continuou -, a primeira coisa que fez, foi arranjar um casamento. O lógico seria arranjar um emprego, certo?
 
A interrogação não me abalou e fiz de conta que não tinha sido uma pergunta. Após um breve espaço de tempo, vendo que eu não me manifestava, ele continuou:

- Casou-se. E comprou uma casa num bairro tradicional. Uma meia mansão. Como quem casa, quer casa e, depois, quer filhos, foram três neste período. E como família grande necessita de um transporte para sua locomoção, ele comprou logo um carro. Engraçado! Agora que me veio a mente: o primeiro carro também era importado! – disse, fazendo cara de espantado, numa cena quase que teatral.

Pela primeira vez, depois que ele começou a ficha do nobre colega, eu me manifestei:

-Coxinha (alusão ao personagem criado pelos humoristas de um canal de TV), você sabe se o rapaz não recebeu uma herança ou se a mulher, com quem ele casou, não era rica? - Por dentro eu ria, pois o mesmo ficou refletindo como se tivesse colocando e tirando arquivos para ver se tal fato procedia.

- Nem ganhou herança, nem a esposa dele era rica - disse de uma forma taxativa. Se tivesse embolsado uma herança, não dava para quem quisesse, pois a família dele é numerosa e só sobraria – a parte que lhe caberia – para comprar uma carroça. E olhe lá! E tem mais: só agora ele arranjou um “empregozinho” para ganhar um salário e meio - exclamou num misto de satisfação e orgulho.

Como a aula estava começando, eu ri e disse que era um caso para ser analisado e, talvez, catalogado como um milagre financeiro e espontâneo, onde os recursos brotam como se fossem capim. Dizem algumas pessoas abençoadas que isso é possível. Eu é que não sou louco para discordar. Tenho medo de castigo! Quando eu estava me despedindo, Coxinha ainda me parou para completar sua historieta:

- O melhor ainda não lhe disse: você sabia que ele comprou uma parte de uma empresa, que estava falindo, pela bagatela de R$ 160.000,00? E que está negociando um terreno na antiga São Sebastião, hoje Gov. Dix-Sept Rosado? E mais ainda: que, de vez em quando, ele recebe um envelope lacrado, trazido por um mensageiro que ainda não descobri quem é e de onde é?

Depois dessa, eu resolvi que era, realmente, a hora de “sair pela esquerda”. Mas, não sem antes olhar para trás e fazer uma varredura para ver se ele estava chamando outra pessoa para conversar. Vai que o próximo assunto da pauta fosse para falar sobre a troca do meu carro!

E com relação ao Pedro, personagem da história, nada pode desabonar uma pessoa que vive para sua família, um trabalhador, bom pai e bom esposo - segundo se diz - e, ainda por cima, um homem de Deus.

 
Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 15/02/2009
Reeditado em 05/12/2011
Código do texto: T1440285
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