Engenho de cana-de-açúcar

Nasci na Fazenda Cabrito, distante aproximadamente 20 quilômetros a sudeste da sede do município de Aurora, no estado do Ceará. Essa propriedade pertencia aos meus avós paternos. Seu Zeca e Dona Toínha. Hoje, é patrimônio de meu tio João de Zeca.

É uma estância muito bonita e de um tamanho razoável para os padrões nordestinos. Saí de lá muito cedo, porém, nas férias de julho e dezembro, eu costumava voltar para desfrutar do aconchego e do carinho que meu avô Zeca Vigário demonstrava ter por mim.

No Nordeste e no Ceará não tem essa coisa de quatro estações do ano como está escrito nos livros de geografia. Somente se conhece inverno e verão.

No verão ou período seco, que vai de junho até final de novembro, se moía ou mói a cana-de-açúcar. No inverno ou período chuvoso, que vai de dezembro a maio, os roçados eram plantados para fazer provisões para todo o ano e pasto para os animais.

Num raio de 20 quilômetros existiam apenas dois engenhos. Um era de meu avô e o outro do cunhado dele, e também meu padrinho, João Joaquim. Esses dois engenhos beneficiavam toda a cana-de-açúcar plantada nas fazendas circunvizinhas. Mas a preferência é claro, era pelo nosso.

O prédio do engenho de cana-de-açúcar da fazenda de meu avô era muito interessante. Era um retângulo com os lados maiores no sentido oeste-leste. Tinha dois níveis. No mais alto ficava a máquina a vapor e as moendas onde era triturada a cana. No lado mais baixo ficavam os tachos de cozinhar a garapa e as gamelas de madeiras para modelar a rapadura. A garapa primeiramente ficava armazenada em tanques. Daí escorria em valas de cimento quando necessário, do ambiente mais alto para o outro. Anexo estava o depósito de guardar o produto.

A fazenda Cabrito era muito comprida no sentido poente a nascente. E estreita no norte e sul. O engenho ficava no começo da fazenda já perto da divisa, parte oeste e, uns 400 metros para o leste, estava a casa grande. O engenho ficava no meio da bagaceira, local designado para secar o bagaço da cana-de-açúcar. E este subproduto da cana servia como combustível para aquecer os tachos de cozinhar a garapa de cana. Já o motor a vapor era mais exigente, sendo movido a lenha. Naquela época a gente nem se preocupava com o IBAMA.

Acordávamos cedo. Eu, juntamente com meu avô e mais um ou dois trabalhadores íamos botar fogo no engenho. O fogo da caldeira do motor do engenho e da fornalha tinha que ser aceso às quatro horas da manhã. Era para que às seis horas a caldeira já estivesse com a temperatura ideal para acionar o motor, e a fornalha no ponto para começar a cozinhar a garapa.

Quando o maquinista do motor e o foguista da fornalha chegavam não perdiam tempo. Muitas vezes, após acender o fogo, eu tirava um cochilo até o sol raiar sobre o couro de boi que servia para puxar o bagaço seco de cana até a boca da fornalha.

Ao sair daquela missão do fogo íamos merendar uma coalhada natural com rapadura raspada e pão de milho. Ou um cuscuz com leite bem quente e sal. Ou ainda um café com leite e queijo de coalho. Naquele tempo nem se falava em margarina ou pão francês lá no sítio. O restante do dia eu ia brincar com os primos ou com os filhos dos moradores da fazenda.

A cana era, já naquela época, orgânica, pois não se fazia uso de agrotóxicos. Plantava-se a mão sem o auxílio de máquinas em nenhum momento da semeadura muito menos da colheita.

Parte dos trabalhadores ia cambitar cana em burros e jumentos. Somente existia a tração animal. Outros ficavam no trabalho do engenho propriamente dito.

Depois de um dia de trabalho pesado, e após o jantar, mesmo exausto reuniam-se todos na sala de estar para rezar o ofício da mãe de Deus. O puxador do ofício era nada mais nada menos que seu Zeca. E ai de quem conversasse a ponto de atrapalhar.

Durante o dia se vendia muita rapadura. Mesmo assim a tarde sobrava bastante no depósito.

A perseverança de meu avô Zeca Vigário era de causar inveja. Penso eu que ele tinha aquela geringonça somente por prazer. O trabalho que dava era demais. Necessitava de muita mão de obra. Imagino que faltava muito pouco para dar prejuízo. Mas ele gostava e muito. Nunca ficava um ano sem ter moagem.

A rapadura produzida era de primeiríssima qualidade. Não havia doce igual em toda a região. Chego a encher a boca d'água quando relembro o sabor. E quando misturava a rapadura com queijo? Huuuuuuuuum!!! Diria Ana Maria Braga se estivesse por lá. E a garapa! Era uma delícia. Doce de arripunar.

Ainda hoje me recordo e tenho saudade do soar estridente do apito do motor a vapor. Ele era acionado várias vezes ao dia. Para trabalhar e para pausar a labuta para as refeições. Eu gostava do apito da hora do almoço. Todos paravam de trabalhar e ali saboreávamos um pão de milho com feijão de corda e carne de porco bem fritinha acompanhado de um graúdo taco de rapadura. O engenho de cana-de-açúcar me deixou muitas recordações. Ai que saudade.

Tinha esquecido... ele apitava também quando um neto chegava e pedia ao maquinista...

Arimatéia Macêdo

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